O art. 5º do novo código estabelece que "aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé."
A novidade é que o art. 5º consagra o princípio da boa-fé processual, como um dos pilares do novo código.
Antes desse art. 5º a doutrina tinha que extrair o princípio da boa-fé a partir do devido processo legal, pois não tinha no corpo do código de 1973 um enunciado que deixasse claro a existência desse princípio, e no artigo 5º está enunciado de uma forma muito clara. Ele que já era uma consequência do devido processo legal passa a ter previsão expressa no texto do CPC.
Um segunda observação é que a redação do art 5º: "aquele que de qualquer forma participa do processo...", a redação é assim para deixar claro que o princípio da boa-fé se dirige a todos os sujeitos do processo, inclusive o juiz, que deve se comportar de acordo com o princípio da boa-fé; juiz, perito advogado, testemunha, todos devem comportar-se de acordo com a boa-fé.
Essa redação inclusive é cópia do CPC suíço. Então acaba essa discussão se o princípio da boa-fé incide só sobre as partes.
1. Dissecando o princípio
a. Boa-fé objetiva x boa-fé subjetiva
A primeira coisa para compreender esse princípio é que não podemos confundir boa-fé subjetiva com a boa-fé objetiva.
A boa-fé subjetiva é um fato da vida, o fato de alguém acreditar que está agindo licitamente. Estar de boa-fé subjetiva é ter a crença de que seu comportamento é lícito, é um fato, o fato de o sujeito acreditar que seu comportamento é lícito. Esse fato é muitas vezes levado em consideração pelo legislador. Por exemplo o caso da posse: o possuidor de boa-fé tem direito aos frutos. O legislador está colocando a boa-fé como um fato apto a gerar consequências jurídicas, isso é a boa-fé subjetiva.
A boa-fé objetiva não é um fato, é uma norma, mas precisamente um princípio, é o princípio segundo o qual os comportamentos humanos devem estar pautados em um padrão ético de conduta. É a norma que impõe que o comportamento seja em conformidade com o padrão ético de conduta, não tem nada haver com a crença do sujeito. Ela exige uma conduta considerada ética, pouco importa se o sujeito está ou não de boa-fé íntima.
A boa-fé objetiva impõe comportamentos considerados objetivamente como devidos. A boa-fé objetiva é o princípio da boa-fé.
O art. 5º consagra a boa-fé objetiva processual incidente sobre qualquer sujeito do processo, juiz, partes, advogados.
Esse art. 5º é uma cláusula geral processual, significa que se trata de um dispositivo normativo construído de maneira indeterminada tanto em relação a sua hipótese normativa como em relação a sua consequência normativa. Um enunciado normativo tem hipótese e consequência. Uma cláusula geral é um enunciado normativo em que a hipótese e o consequente são indeterminados.
Quando lemos o art. 5º não sabemos ao certo a que comportamento ele se refere, e também ele não diz o que acontece se por ventura o comportamento não for em conformidade com a boa-fé.
E por ser uma cláusula geral vai precisar ser concretizado na prática, os tribunais vão ter que começar a entender e a definir padrões do que seja o comportamento de acordo com a boa-fé, caberá aos tribunais definir o que são os comportamentos de acordo com a boa-fé.
Ao longo da história, nos últimos 100 anos de consagração do princípio da boa-fé no direito estrangeiro, se nós pegarmos essa consagração vamos ver que esse princípio já foi concretizado em no mínimo 4 exigências, os alemães identificaram a concretização da boa-fé em 4 grupos de situações.
b. Conduta de má-fé considerada ilícita
Primeiro, o princípio da boa-fé torna ilícita qualquer conduta de má-fé, qualquer conduta dolosa é considerada ilícita pela incidência do princípio da boa-fé. Qualquer comportamento processual doloso será considerado ilícito porque há o princípio da boa-fé. É como se houvesse uma previsão geral de ilicitude em razão do dolo, qualquer conduta processual dolosa é considerada ilícita tendo em vista o princípio da boa-fé.
Exemplo: Um advogando em processo trabalhista, seu cliente teve decisão contra si, tendo o advogado indicado que seria melhor fazer um acordo. O cliente aceitou e o advogado entabulou o acordo com a outra parte, e fechou o acordo por email. Isso foi feito durante o prazo de recurso contra a sentença, o cliente assim não recorreu, transitou em julgado. A outra parte disse, depois de transitado em julgado, que não queria mais o acordo. O advogado então quis o prazo do recurso de volta, pois tinha sido enganado, e alegou que comportamento da outra parte violou o princípio da boa-fé, sendo doloso, portanto ilícito.
c. Abuso do direito
Segundo, o segundo comportamento tido como ilícito por influência do princípio da boa-fé é o abuso do direito do processo. Qualquer abuso do direito no processo passará a ser considerado como um comportamento ilícito e aí por ser ilícito não pode ser aceito, é como se houvesse uma proibição geral para o abuso do direito no processo a qual decorre do princípio da boa-fé.
Exemplo. Imagine que o autor tem o direito de negar a sucessão ao réu pelo adquirente de coisa litigiosa, se um terceiro adquire coisa litigiosa este pode entrar no lugar do réu, mas para isto é preciso que o autor consinta, é direito do autor. Imagine que o autor negue o consentimento a essa sucessão, de maneira irrazoável e não fundamentada, esse comportamento é um abuso do direito no processo. É direito dele negar, só que esse direito não pode ser exercido de maneira abusiva, ele deve ter o mínimo de justificativa possível.
d. Comportamento contradiótrio
Terceiro comportamento tido como ilícito porque violador da boa-fé é o comportamento contraditório. Se eu pratico um ato e esse meu ato gera em outra pessoa a expectativa de que eu manterei uma coerência na minha atuação, se por ventura eu vier a frustrar isso estarei comportando contraditoriamente, sendo ilícito pois contrário a boa-fé. É aquilo que no direito civil se chama de proibição do venire contra factum proprium.
O comportamento contraditório viola a boa-fé porque você surpreende a outra parte que confia em você tendo em vista um comportamento seu anterior.
Exemplo clássico de venire contra factum proprim no processo é aquela do executado que oferece a penhora um bem e depois alega a impenhorabilidade desse bem. Isso é um comportamento contraditório, proibido pelo princípio da boa-fé.
e. Supressio processual
A quarta concretização do princípio da boa-fé no processo e o que se chama de supressio processual, que é a perda de um direito pelo fato de não ter exercido esse direito por um tempo tal que gerou na outra parte a expectativa de que eu não mais o exerceria. Eu deixei por tanto tempo de exercitar um direito que eu acabei, com meu comportamento omisso, gerando uma expectativa de que eu não exerceria aquele direito depois. Ocorre aquilo que se chama de supressio desse direito. Eu perco esse direito porque não o exerci, e esse não exercício gerou no outro a expectativa de que eu não o exerceria. É o não exercício que gera a expectativa de que o direito não será mais exercido.
É um instituto amplamente consagrado no direito privado, o princípio da boa-fé faz com que surja o supressio, a perda direito.
Os alemães disseram que é possível falar de supressio no processo, exemplo, um processo que tramitou por dez anos, quando chegou na sentença o juiz extinguiu o processo sem exame do mérito, fundamentando que faltou interesse de agir, e extinguiu o processo sem exame do mérito. Em um caso como esse que tramitou durante dez anos e o juiz nada disse, ficou calado, mandou produzir perícia, deu andamento ao processo. O juiz, pelo seu silêncio no controle da admissibilidade, gerou em todos a expectativa de que o processo estava regular, não podia depois querer exercer esse poder de controle do processo, ele com seu silencio levou todos a acreditar que o processo estava regular, me parece que como o juiz se submete ao pricípio da boa-fé ele sofreu a supressio, esse comportamento é ilícito, e tendo em vista o comportamento dele anteriormente ele não poderia mais exercer esse controle no processo.
Essas 4 concretizações do princípio da boa-fé processual são concretizações famosas do princípio da boa-fé, todas elas vão poder agora se desenvolver com base no art. 5º do CPC.
Agora além dessas concretizações do princípio da boa-fé eu acrescentaria outras duas delas, o princípio da boa-fé produz os deveres de cooperação e também exerce uma função hermenêutica, pois ele vai orientar a interpretação da postulação e da decisão. A petição inicial e a decisão deverão ser interpretadas de acordo com a boa-fé, isso o código deixa claro e quando estudarmos isso vamos esclarecer melhor.
Ele é também a base para a construção do princípio da cooperação, que será estudado posteriormente.
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- REFERÊNCIA
Vídeo aula 003 - Curso Novo CPC (Fredie Didier Professor LFG), disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=l3k77GjSEdo>, acesso 04/10/2016
Bons estudos!
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