quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Análise art. 10º e 9º do Novo Código de Processo Civil (Prof. Fredie Didier)


Art. 10 - Dever de consulta; proibição de decisão surpresa
 
Há muitos anos no Brasil, pelo menos 22 anos, talvez o primeiro texto a tratar do assunto seja de 1993, se defende a ideia de que o direito ao contraditório garante às partes o direito de poder se manifestar sobre qualquer questão relevante para solução da causa, mesmo que essa questão seja uma que o juiz conheça ex officio. 
 
Sabemos que há questões que o juiz pode examinar mesmo que ninguém provoque, como é o caso da inconstitucionalidade da lei, da incompetência absoluta, da decadência,. Todas são questões que o juiz pode examinar até de officio, em fim, qualquer questão que seja levada em consideração pelo juiz na sua decisão tem que ser uma questão previamente submetida ao debate ao diálogo processual, isso é algo que se defende há muitos anos como uma garantia do contraditório.
 
O que se fala é que essa exigência evita decisões surpresa, que as partes sejam surpreendidas com uma decisão com base em uma questão a respeito da qual não puderam se manifestar. Fala-se que essa exigência decorre do dever de consulta, que é um dever do juiz, ele tem o dever de consultar as partes sobre questão a respeito da qual elas não se manifestaram.

Exemplo: funcionária de um Tribunal, assessora de desembargadora, trabalha preparando minutas, votos. Uma vez pegou uma apelação e viu que estava intempestiva, sendo que não havia nenhuma alegação de intempestividade, ninguém tinha percebido. As partes foram ouvidas sobre o caso e ambas disseram que o recurso era tempestivo pois lá na localidade havia um feriado que ninguém sabia e por isso era tempestivo, daí a importância de submeter uma questão ao diálogo para poder verificar ou mudar a opinião ou robustecer sua opinião.

Essa exigência de consulta para evitar decisões surpresa, que é uma exigência percebida pela doutrina brasileira há muitos anos como conteúdo mínimo do contraditório, ela foi consagrada na lei de execução fiscal que expressamente disse que o juiz da execução fiscal pode conhecer de ofício da prescrição tributária, mas antes de decidir com base nisso tem que ouvir a Fazenda Pública, isso é a concretização do dever de consulta, do direito de não ter uma decisão surpresa.

Agora o CPC novo consagra isso claramente, como uma das normas fundamentais do novo código, não por acaso está no art. 10 do CPC.

Vejam o que diz o art. 10, "o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de oficio."

Estamos diante da consagração do dever de consulta, da proibição da decisão surpresa. O art. 10 não é um artigo que enuncia o princípio do contraditório, esse artigo enuncia uma regra e não um principio, é a regra de que o juiz tem que ouvir as partes antes de decidir com base em uma questão, esta regra concretiza o princípio do contraditório.

Esta regra é tão importante que ela foi repetida em alguns outros dispositivos do código.

Vejam o art. 493, se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de oficio ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão." §ú. "se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir."

Isso aqui é a consagração do dever de consulta. Se o fato é superveniente e o juiz toma esse fato superveniente, conhece de ofício, ele não pode decidir com base nele sem antes ouvir as partes.

Repare que esse §ú nem precisava estar aí, o art. 10 já resolveria, mas para evitar dúvida se repete isso.

Olhando o art. 933, é como se fosse o art. 10 aplicado aos tribunais, esse artigo disciplina o art. 10 quando precisa ser aplicado nos Tribunais, para evitar qualquer tipo de discussão.

Art. 933. "Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida, ou à existência de questão apreciável de ofício e ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifeste no prazo de 5 dias."

§ 1o Se a constatação ocorrer durante a sessão de julgamento, esse será imediatamente suspenso a fim de que as partes se manifestem especificamente.

§ 2o Se a constatação se der em vista dos autos, deverá o juiz que a solicitou encaminhá-los ao relator, que tomará as providências previstas no caput e, em seguida, solicitará a inclusão do feito em pauta para prosseguimento do julgamento, com submissão integral da nova questão aos julgadores.

O dever de consulta não só foi colocado como norma fundamental, como o legislador preocupado com o fato de ele não vingar, repetiu em diversos  dispositivos para reforçar ainda mais a importância dessa regra.

Se essa regra for descumprida, o que que acontece? gera nulidade da decisão por violação ao contraditório.

Para terminar esse art. 10 faremos uma menção ao que está no art. 927, o qual regulamenta os precedentes judiciais, ele diz no §1º que os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 quando decidirem com base nesse artigo.

Quer dizer que o art. 10 deve ser aplicado não só no momento em que o juiz decide, mas também no momento de formação do precedente, tem que se observar o contraditório na formação do precedente, ou seja, todas as questões examinadas pelo Tribunal deve ser examinadas tendo respeitado o contraditório, as partes tem que se manifestar sobre todas as questões indispensáveis à formação do procedente. Isso é muito importante pois o código novo prestigia muito o sistema de precedentes judiciais e por causa disto o código novo exige que a formação do precedente seja cuidadosa, significa que todos os fundamentos relevantes para formação dos precedentes tem que ser submetidos ao contraditório, para que as pessoas possam opiniar e com isso o precedente nasça com maior legitimidade e robustez.

Art. 9º - Princípio do contraditório
 
Agora vamos dar uma olhada no art. 9º., ele consagra o princípio do contraditório vejam que ele diz, "não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida."

Isso é uma clássica aplicação do princípio do contraditório, sobre o qual se diz que uma decisão não pode ser proferida contra alguém sem que esta pessoa seja ouvida.

Aqui uma observação, temos que perceber, repare: "não se proferirá decisão CONTRA uma das partes sem que ela seja previamente ouvida". Ou seja, se a decisão for a favor a uma das partes, é possível que seja proferida. É possível decisão a favor de uma das partes sem que essa parte seja ouvida, o que não é possível é decisão contra.

É por isso que o código admite a improcedência liminar do pedido, a qual é uma rejeição da petição inicial logo 'de cara', o juiz pode 'de cara' julgar improcedente, sem nem citar o réu, repare o juiz vai julgar em favor do réu sem ouvi-lo, isso é plenamente possível.

E o autor, se o juiz julga improcedente logo 'de cara' contra o autor, estaria julgando logo 'de cara' sem ouvir o autor? não, o autor foi ouvido, ele falou pela petição inicial.

E se o juiz se basear em algum fundamento que o autor não tenha suscitado, é cabível apelação contra essa sentença e ainda é permitido a retratação do juiz. É raro, mas apelação contra decisão que julga improcedente liminarmente o pedido permite juízo de retratação exatamente para garantir esse diálogo entre autor e juiz.

Suscede que o §ú do art. 9º traz exceções a essa regra de que as decisões não podem ser proferidas sem que a parte seja ouvida.

Consta que, o disposto no caput não se aplica em 3 hipóteses, as quais são decisões provisórias, que é aquela que pode ser revista depois, se é provisória a decisão ela nem sempre há necessidade de se ouvir a outra parte. Fica claro que apenas decisões definitivas não podem ser tomadas sem ouvir a outra parte, as provisórias podem.

São três exemplos no §ú: a tutela de urgência; a tutela de evidência e o art. 700 (se refere a ação monitória). Esse são casos que o juiz pode decidir contra o réu sem ouvi-lo, e justifica-se por serem decisões provisórias.

Mas sse paragrafo único não é exaustivo, há outros exemplos espalhados na legislação de decisões provisórias concedidas sem a ouvida do réu, exemplo: liminar possessória, a que é o clássico caso de tutela provisória liminar dada sem a ouvida do réu; liminar de despejo; liminar em mandado de segurança. Pense nas liminares previstas na legislação extravagante e perceberemos que há exemplos de decisões provisórias dadas sem a ouvida da outra parte.

Então esses arts. 9º, 10 e a parte final do art. 7º (que cuida pelo zelar do efetivo contraditório), esses três pedaços do capítulo das normas fundamentais do processo do CPC novo, formam um núcleo sobre o contraditório.

O juiz tem o ¹dever de zelar pelo contraditório; o ²contraditório pressupõe que a parte seja ouvida, salvo em caso de decisões provisórias; e o ³contraditório pressupõem um dever de consulta, proibição de decisão surpresa. São novidades que reestruturam o contraditório no novo CPC. O desrespeito a todas elas gera nulidade.

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  • REFERÊNCIA

Vídeo aula 004 - Curso Novo CPC (Fredie Didier Professor LFG), disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=bp0iJ4-gvo0>, acesso 05/10/2016


Bons estudos!


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