quinta-feira, 5 de maio de 2016

Efeitos da Posse

Atualizado em 11Abr2020
 
1. Aspectos introdutórios: os aspectos materiais e os aspectos de defesa (frutos, produtos, benfeitorias, defesa)

Os efeitos da posse são os que lhe imprimem cunho jurídico e a distinguem da mera detenção. Doutrinadores divergem quanto a determinação dos efeitos, uns admitem uma pluralidade de efeitos da posse, outros que a posse produz apenas um efeito, o de induzir à presunção de propriedade.
Savigny reduziu a dois efeitos específicos e próprios da posse: o usucapião e a faculdade de invocar os interditos. Já Edmundo Lins e Vicente Ráo sustentam que apenas a faculdade de invocar os interditos seria o único efeito da posse, pois a usucapião necessitaria de outros elementos (27).
Gonçalves sistematiza os efeitos em: a) a proteção possessória, abrangendo a autodefesa e a invocação dos interditos; b) a percepção dos frutos; c) a responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa; d) a indenização pelas benfeitorias e o direito de retenção; e) a usucapião.

2. Aspectos materiais

2.1. Direito à percepção dos frutos e produtos

Pela teoria objetiva, os frutos são utilidades que a coisa periodicamente produz, produção normal, ordinária e certa. Na teoria subjetiva, os frutos são as riquezas produzidas por um bem patrimonial (ex. safra agrícola).
A teoria objetiva foi a acolhida pelo Código Civil, produção normal e periódica da coisa. Dividindo-se em frutos naturais, industriais e civis. Podendo eles estarem pendentes, percebidos, estantes, percipiendos ou consumidos.

CC, Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos.
Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.
CC, Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.
CC, Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.

Cessada a boa-fé, os frutos pendentes e os colhidos por antecipação devem ser restituídos.

2.2. Responsabilidade por perda ou deterioração da coisa

O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, restituirá a coisa no estado em que se encontra, art. 1.217 do CC.
Já o possuidor de má-fé, responde pela perda ou deterioração da coisa, ainda que seja acidental, salvo se provar que, do mesmo modo, se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante, art. 1.218, CC.

2.3. Indenização pelas benfeitorias

Prevista no art. 1.219 do CC, consta que o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis; quanto às voluptuárias, se não for pago o valor, o possuidor tem o direito de levantá-las sem deterioramento da coisa.
Já o possuidor de má-fé apenas tem direito ao ressarcimento das benfeitorias necessárias, sem direito de ser indenizado pelas benfeitorias úteis, nem de o levantar as voluptuárias, art. 1.220, CC.

2.4. Direito de retenção

Tem a finalidade de assegurar o ressarcimento das benfeitorias necessárias e úteis. Por meio dele, o possuidor conserva a coisa em seu poder até que indenizado seja do que se lhe deve.
São pressupostos para o direito de retenção: a detenção da coisa, a existência de um crédito do retentor e a relação de causalidade entre esse crédito e a coisa retida.

3. Defesa da posse

É uma forma de proteção ao possuidor. Resumindo-se em defesa própria, ações possessórias típicas e atípicas.

3.1. Defesa própria ou Autotutela

Nesta, o possuidor pode manter ou restabelecer a situação de fato pelos seus próprios recursos. Agindo logo e de forma indispensável para retomada da posse, por meio da legítima defesa ou do desforço imediato.

CC, 1.2010, §1º O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.

3.1.2. Legítima defesa

É uma defesa direta da qual pode ser utilizada pelo possuidor que é turbado de sua posse, assemelhando-se à excludente prevista no Código Penal. Tendo lugar apenas enquanto durar a turbação, e estando o possuidor na posse da coisa.

3.1.3. Desforço

Utilizado nos casos de esbulho da posse. “Ocorre quando o possuidor, já tendo perdido a posse (esbulho), consegue reagir, em seguida, e retomar a coisa (28)”.

2. Ações possessórias típicas (ou Interditos possessórios) ius possessionis

Criadas especificamente para a defesa da posse (heterotutela). São a manutenção da posse, reintegração da posse e o interdito proibitório. Também chamadas de interdito possessório.

3.2.1. Aspectos introdutórios – características comuns

É legitimado para propor interdito o possuidor, já o detentor não tem essa faculdade. Possuidores diretos e indiretos têm ação possessória contra terceiros, e também um contra o outro.

CC, Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.

Legitimado passivo também pode ser a pessoa jurídica de direito privado ou ainda as pessoas jurídicas de direito público.

3.2.1.1. Fungibilidade

CPC, art. 554, “a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos requisitos estejam provados”.

Desse modo, se a ação cabível for a de manutenção de posse e o autor ingressar com ação de reintegração, ou vice-versa, o juiz conhecerá do pedido da mesma forma e determinará a expedição do mandado adequado aos requisitos provados (29).

3.2.1.2. Cumulação de pedidos

É matéria facultativa e permite-se que o possuidor possa demandar a proteção possessória e, cumulativamente, pleitear a condenação do réu nas perdas e danos. Se ocorrer o perecimento, resta pedir indenização.

CPC, art. 555, “É lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de: I - condenação em perdas e danos; II - indenização dos frutos. Parágrafo único. Pode, ainda, imposição de medida necessária e adequada para: I - evitar nova turbação ou esbulho; II - cumprir-se tutela provisória ou final.

3.2.1.3. Caráter dúplice

Ocorre quando qualquer dos sujeitos pode ajuizar a ação contra o outro. “O legislador tornou dúplice a ação possessória, permitindo que o juiz, independentemente de reconvenção do réu, confira-lhe a proteção possessória, se a requerer na contestação e provar ser o legítimo possuidor (30)”.

CPC, art. 556, É lícito ao réu, na contestação, alegando que foi o ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização devida pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor.

3.2.1.4. Distinção entre juízo possessório e juízo petitório. A exceção de domínio.

Ambas ações são meios de tutela no qual a possessória discute-se a posse autônoma, formal, a posse. Já a ação petitória invoca a posse causal, versa sobre o domínio, sendo secundária a questão da posse.
Desta forma apenas por exceção é que se pode trazer a questão do domínio ao juízo possessório.
Código de Processo Civil, art. 557, “Na pendência do processo possessório, é vedado, tanto ao autor quanto ao réu, propor a ação de reconhecimento do domínio, exceto se a pretensão for deduzida em face de terceira pessoa”.

3.2.1.5. Rito processual especial

Dispõe o art. 558 do Código de Processo Civil: "Regem o procedimento de manutenção e de reintegração de posse as normas da Seção II deste Capítulo quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial. Parágrafo único. Passado o prazo referido no caput, será comum o procedimento, não perdendo, contudo, o caráter possessório.”
A vantagem desse procedimento especial é a previsão da medida liminar que pode ser concedida quando a ação (de força nova) for intentada dentro de ano e dia da turbação ou esbulho. Passando desse prazo o rito será comum e a ação de força velha.

3.2.2. Modalidades (Interdito possessório) das ações possessórias típicas

São modalidades a manutenção de posse, a reintegração de posse e o interdito proibitório.
A diferença entre manutenção e reintegração de posse é que o possuidor tem o direito de ser mantido na posse em caso de turbação (continua na posse) e reintegrado no de esbulho (privação da posse).
CC, Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

3.2.2.1. Manutenção de posse (Washington de Barros)

CC, Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação,…
Turbação de fato é a agressão material dirigida contra a posse. Distingui-se do esbulho porque na turbação o possuidor continua na posse dos bens, apenas tem cerceado seu exercício. Turbação de direito é o réu contestando judicialmente a posse do autor.

Distinção feita por Câmara Leal:
Turbação direta: é a que se exercita imediatamente sobre a coisa, objeto da posse;
Turbação indireta: é a praticada externamente, mas que repercute sobre a coisa possuída, produzindo efeitos nocivos ao exercício da posse pelo titular desta;
Turbação positiva: é a que resulta da prática de atos materiais equivalentes ao exercício da posse sobre a coisa, por parte do turbador;
Turbação negativa: é quando dificulta ou embaraça a pela atividade possessória do possuidor.

Requisitos da ação de manutenção de posse a ser comprovados pelo autor (CPC, art. 561):
A sua posse;
A turbação praticada pelo réu;
A data da turbação;
A continuação da posse, embora turbada.

O autor pode requerer desde logo que seja mantido na posse. O juiz pode conceder de plano o mandado ou exigir a prévia justificação do alegado. Já o prazo para contestação inicia-se a partir da intimação do despacho que concedeu ou denegou a liminar.
Contra pessoas jurídicas de direito público não se defere manutenção liminar sem prévia audiência entre as partes. E o autor pode cumular pedido possessório com a cominação de pena para caso de nova turbação ou esbulho.
Tem sido objeto de controvérsias a questão relativa à contagem do prazo de ano e dia na referida ação, quando continuada a turbação, ou reiterados os atos turbativos. Entendem uns que o prazo deve ser contado do primeiro ato turbativo, opinando outros, contrariamente, que dos últimos se deve contar o lapso extintivo”.

3.2.2.2. Reintegração de posse (Washington de Barros)

CC, Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.

Os pressupostos do processo judicial de reintegração de posse estão expressos no art. 561 Novo Código de Processo Civil.

Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração”.

Esbulho é o ato pelo qual o possuidor se vê privado da posse, violenta ou clandestinamente, e ainda por abuso de confiança”. Caracteriza-se também por toda e qualquer moléstia aos direitos do possuidor.

Exemplo:
Estranho que invade casa deixada por inquilino, comete esbulho;
Comodatário que deixa de entregar a coisa dada em comodato, findo o prazo ou, sem este, a pedido do comodante;
Compromissário-comprador deixa de pagar as prestações avençadas;
Locador de serviços, dispensado pelo patrão, não restitui a casa que recebera para moradia;
Assim como na turbação, o esbulho deve datar de menos de ano e dia. É por esse prazo extintivo que se estabelece a distinção entre as ações de força nova e de força velha. Apenas na primeira tem cabimento a expedição de mandado liminar de manutenção ou de reintegração.
O prazo de decadência começa a fluir a partir do primeiro ato que acarreta a perda da posse.

3.2.2.3. Interdito proibitório (Washington de Barros)

É a proteção preventiva da posse, na iminência ou sob ameaça de ser molestada. Está regulamentado pelos artigo 561 e 567 do NCPC.
Recebendo a petição inicial, vem a contestação, inexiste concessão de mandado initio litis tuituvo da posse, apenas depois de julgada a ação pode o juiz proibir o réu de praticar o ato sob pena de pagar pena pecuniária.
Prevalece o entendimento de que o interdito pode ser impetrado contra a administração pública, com base no art. 562, parágrafo único do NCPC. A rigor, seria mais adequada a impetração do mandado de segurança contra a autoridade responsável.
Importante lembrar que a propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela, cujos requisitos estejam provados (art. 554 NCPC).

3.3. Ações possessórias atípicas (Washington de Barros)

São a imissão de posse, ação de nunciação de obra nova, ação de dano efetivo, ação de embargos de terceiros.

3.3.1. Ação de imissão de posse

É uma das modalidades do interdito adipiscendae possessionis do direito romano. O atual Código de Processo Civil não previu de modo específico a antiga ação de imissão de posse. “Acredito realmente que o autor possa promovê-la, desde que imprima ao feito o rito comum (ação ordinária de imissão de posse) e que terá por objeto a obtenção da posse nos casos legais”.
Na imissão discute-se o domínio e o requisito da posse inexiste.
No ensinamento de Pontes de Miranda, as ações de imissão de posse não são, nem nunca foram, possessórias. Mas revestem-se desta característica por ter como objeto a aquisição da posse pela via judicial.

3.3.2. Ação de nunciação de obra nova

Compete essa ação a quem considere prejudicial ao seu domínio, ou posse, obra nova em vias de conclusão no prédio vizinho. Seu objetivo é impedir que o prejuízo se consuma pela ultimação da obra. Deve ser requerida antes de terminada a obra.

3.3.3. Ação de dano infecto (Gonçalves)

Também chamado de dano iminente, tem caráter preventivo e cominatório, como o interdito proibitório. Pode ser oposta no caso de fundado receio de dano iminente.

CC, art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.

É legitimado ativo o proprietário ou possuidor, e passivo, o dono do prédio vizinho que provoca a interferência prejudicial.

3.3.4. Ação de embargos de terceiros

Embora não esteja no CPC presente no capítulo de ações possessórias, é inquestionável que tal remédio, quando empregado para defesa da posse, reveste-se de caráter possessório.
Tem como pressuposto essencial o ato de apreensão judicial praticado em detrimento do terceiro embargante”. 
 
NCPC. Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.
§ 1º Os embargos podem ser de terceiro proprietário, inclusive fiduciário, ou possuidor.
§ 2º Considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos:
I - o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843;
II - o adquirente de bens cuja constrição decorreu de decisão que declara a ineficácia da alienação realizada em fraude à execução;
III - quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte;
IV - o credor com garantia real para obstar expropriação judicial do objeto de direito real de garantia, caso não tenha sido intimado, nos termos legais dos atos expropriatórios respectivos.

Cabe ao terceiro defender seu domínio e posse. Os embargos serão admissíveis em qualquer tempo, antes da sentença final. Ou na execução, até cinco dias depois da arrematação, adjudicação ou remição.

 
27 Entendimento de Washington de Barros, pág 110
28 Gonçalves, 2012, pág. 275
29 Gonçalves, 2012, pág. 286
30 Gonçalves, 2012, pág. 293


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  • Referência

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5 : direito das coisas. 7. ed. – São Paulo : Saraiva, 2012.

MONTEIRO, Washington de Barros, 1910-1999, MALUF, Carlos Alberto Dabus. Curso de direito civil, 3 : direito das coisas , 42. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012.

Bons estudos!

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