Docente:
Profª.
Ms Patricia Karla de Souza e Silva
Discentes:
Claudice
Maria de Franca
Felipe
E. de Lima Marques
Petrus
G. B. da Nóbrega
Raiza
Mendes Pinheiro
Regia
Cristina A. C. Maciel
Reginaldo
A. de O. Freitas Jr.
Francisco de Assis Pereira em 1998 |
"Infelizmente,
tem de ser assim, preciso ir embora."
(bilhete deixado sobre a mesa, junto a um jornal, no dia em que
Francisco Pereira fugiu, após ver seu retrato-falado na imprensa)
Francisco de Assis Pereira em 2012 Entrevista Rede Record |
"Eu
fui vítima de um mal, e elas foram vítimas de um mal que estava
sobre mim... Diria para a sociedade que se cuide..."
1.
INTRODUÇÃO.
Não existe, na legislação penal brasileira, uma norma específica
que ofereça tratamento adequado aos “serial killers”, visto que,
até pouco anos atrás, casos de assassinatos em série não eram
comuns no Brasil. Contudo, esta realidade mudou. Torna-se necessária
a introdução de uma previsão penal específica que vise proteger a
coletividade, sem esquecer, ademais, de adequá-la à correspondente
dose de responsabilização do portador de uma psicopatia, levando-o
a um julgamento diferenciado, que procure analisar as condições
psicológicas deste agente ao tempo em que cometeu os crimes, e
adequando a pena na dosimetria apropriada.
Sobre a responsabilização penal do psicopata, cita-se Guilherme de
Souza Nucci, que define a responsabilidade penal como a obrigação
que um indivíduo realizador de um ilícito penal tem em responder
perante a lei, pelos atos cometidos, enquanto a imputabilidade se
refere à capacidade do agente de ser penalmente responsabilizado,
tendo em vista a compreensão do caráter ilícito do fato, bem como
a possibilidade de se determinar de acordo com esse entendimento
(NUCCI, 2011, p.306) 1.
O Código Penal2,
em seu artigo 26, dispôs acerca dos distúrbios psíquicos que
isentam o agente da responsabilização da pena: doença mental,
desenvolvimento mental incompleto, desenvolvimento mental retardado e
perturbação da saúde mental, estabelecendo que os seus portadores
serão inimputáveis se, ao tempo da ação ou omissão, estivessem
inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento. Não sendo comprovadas
tais observações dispostas, a pena ainda seria aplicada, com
condição de ser reduzida de um a dois terços.
Contudo, é difícil enquadrar o psicopata entre imputável,
semi-imputável e inimputável, devido à dificuldade em conceituar e
determinar as causas clínicas para o transtorno da personalidade
antissocial. Para Nucci, os psicopatas não deveriam ser considerados
inimputáveis, diante da inexistência de doenças mentais, isto é,
não devendo haver exclusão da culpabilidade (NUCCI, Op.Cit. p.307).
Em sentido oposto, Fernando Capez (2011, p. 337) 3
entende que a psicopatia “é capaz de eliminar ou afetar a
capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de comandar a
vontade de acordo com esse entendimento”. Daí infere-se que Capez
classifica o psicopata como inimputável e a psicopatia como doença
mental.
Todavia, o modelo de justiça majoritário adota a posição de que
os psicopatas se enquadrariam como semi-imputáveis, devido à sua
capacidade reduzida de compreender o caráter ilícito do fato e de
se determinarem de acordo com esse entendimento.
Para Júlio Fabrini Mirabete, o fundamento teórico para o
enquadramento do psicopata como indivíduo semi-imputável seria
apenas o fato do poder de autodeterminação desse indivíduo
encontrar-se reduzido, pois o psicopata manteria a capacidade de
entender o caráter do ilícito cometido. Isto resultaria na
diminuição de sua responsabilidade penal, porém não excluiria sua
culpabilidade, sendo imprescindível nesse diagnóstico a realização
da perícia que ateste a referida redução de compreensão
(MIRABETE, 2011, p.199) 4.
Ademais, aplica-se também o artigo 98 do Código Penal que prevê a
pena de prisão por medida de segurança aplicada através de
internação em hospital adequado ou tratamento ambulatorial, quando
comprovada esta semi-imputabilidade. Além da aplicação estrita das
sanções previstas no ordenamento jurídico, é importante levar em
óbice o crime como um caso isolado, pretendendo analisar a condição
do agente não somente no momento da realização do delito, mas
também os seus antecedentes psicossociais, isto é, de forma
empírica, compreender fatos passados em sua vida que contribuíram
para levar o indivíduo a cometer o fato típico e apresentar
transtornos mentais à época deste fato.
Como disciplina responsável a estudar tais fenômenos, a
Criminologia (etiologia do crime) visa propor uma aplicação de pena
mais justa e eficaz ao caso concreto, levando em conta as situações
psicossociais do agente, os fatores técnicos de como o crime
ocorreu, como também concentrando-se nas possíveis formas de
combate do ato delinquente. Sendo um saber importante para qualquer
ciência social, a criminologia entra em contato com o Direito Penal
no ponto em que este delimita o campo de estudo, tipificando a
conduta delituosa.
A Vitimologia, por sua vez, estuda a vítima e sua relação com o
crime e o criminoso, de forma a planejar formas para sua proteção e
tratamento, bem como se houve uma possível influência para
ocorrência do fato típico. Tais dados criminológicos são
fundamentais para permitir o correto e eficaz tratamento e
ressocialização do agente, tornando a pena a mais adequada possível
e mais humana, atentando-se à ideia de “punir sem castigar”.
Destaca-se que retribuir, embora uma das funções da pena, é
considerada a menos nobre.
Como já dito preliminarmente, no cenário atual do Direito
brasileiro não existe uma previsão legal que expressamente
determine qual seria a medida punitiva para o portador de psicopatia.
Porém, existem algumas normas esparsas, como o Decreto-lei n. 24.559
de 1934 5,
que prevê a assistência e proteção à pessoa e aos bens do
psicopata. Entretanto, o termo psicopata, utilizado neste texto
legal, engloba todos os tipos de doentes mentais. Existe ainda a Lei
nº. 10.216/2001 6,
que trata da proteção e dos direitos das pessoas portadoras de
transtornos mentais e modifica o modelo assistencial em saúde
mental. Entretanto, não menciona a questão específica do
transtorno antissocial.
Para preencher essa lacuna na legislação, são usados alguns
artigos do Código de Processo Penal e do Código Penal 7,
como o artigo 149 daquele, que determina que quando houver dúvida
sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício
ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador,
do ascendente, descente, irmão ou cônjuge do acusado, que este seja
submetido a exame médico legal. Os homicídios praticados em série
costumam ser tipificados na legislação brasileira como homicídio
qualificado na forma do artigo 121, parágrafo 2º, inciso II (por
motivo fútil), do CP.
Contudo essa espécie de crime não deve ser tratada simplesmente
como um homicídio qualificado, pois dele derivam condutas de extrema
violência por parte do agente. Às vezes também pode ser
reconhecido nesse tipo de crime o instituto do “crime continuado”
(artigo 71 do CP), ou dependendo das condições de tempo, lugar e
modus operandi, pode haver reconhecimento do “concurso
material de crimes” (artigo 69 do CP).
Desta forma, percebe-se que o modelo assistencial brasileiro não
ajuda na recuperação dos indivíduos portadores de psicopatia, pela
falta de estrutura, de profissionais qualificados e de uma
normatização específica sobre o assunto. Deste modo, a inserção
de psicopatas em penitenciárias junto com presos comuns acaba por
desvirtuar a finalidade da pena e, além disso, não resolve o
problema, podendo até mesmo piorá-lo.
2.
DESCRIÇÃO DO CASO.
Francisco de Assis Pereira, nascido em 29/11/1967, em São Paulo/SP,
ficou conhecido como o “Maníaco do Parque” após cometer, em
1998, uma série de estupros e assassinatos de jovens, no parque do
estado, uma área de 550 hec de vegetação densa, da capital
paulista.
Descrito por todos com os quais convivia como sendo inteligente,
simpático e agradável, Francisco tornou-se um dos mais famosos
“serial-killers” brasileiros. Ele abordava suas vítimas na rua,
em locais como pontos de ônibus, e se apresentava como agente de
modelos, utilizando a estratégia de elogiar a beleza e a postura das
mulheres, propondo-lhes uma sessão de fotos num cenário cercado
pela natureza. Dotado de uma peculiar capacidade de persuasão e
convencimento, Francisco conseguia que as vítimas subissem na garupa
da sua moto, sem qualquer coação, seguindo direto para o parque do
estado. Uma vez no meio do parque, o motoboy estuprava e matava suas
vítimas por estrangulamento, por vezes com as próprias mãos,
outras utilizando o cadarço dos tênis ou uma pequena corda que
levava consigo.
No dia 4 de julho de 1998, um rapaz que empinava pipa no parque
embrenhou-se na mata à procura da mesma, tendo, acidentalmente,
encontrado dois cadáveres em decomposição. A polícia foi acionada
e uma busca inicial já localizou mais outros dois corpos. As
semelhanças entre as vítimas e o modo como os corpos foram
encontrados levaram os investigadores à conclusão que as quatro
mortes deveriam ser obra da mesma pessoa. Tal agente, possivelmente,
também teria feito outras duas vítimas, cujos cadáveres já haviam
sido encontrados anteriormente no mesmo parque. As seis mulheres eram
jovens, tinham cabelos longos e escuros. Quase todos os corpos
estavam despidos e com as pernas abertas, o que evidenciava a
violência sexual, e foram localizados dentro de um raio de 200
metros.
Em meio às investigações, a polícia chegou a três outras
mulheres que haviam registrado queixas de tentativas de estupro no
parque. Com base em seus depoimentos, foi possível a confecção de
um retrato falado do suspeito. A ampla cobertura midiática
rapidamente trouxe grande divulgação ao caso do “Maníaco do
Parque”, e a divulgação do seu retrato fez com que um homem
ligasse para a polícia dizendo conhecer e ter o número do telefone
de alguém muito parecido.
A informação levou os policiais até uma transportadora no bairro
do Brás, na cidade de São Paulo. Ao chegarem à sede da empresa, no
dia 15 de julho de 1998, descobriram que Francisco de Assis Pereira
morava no local e lá trabalhava como “motoboy”. Entretanto, três
dias antes da visita da polícia, ele havia desaparecido, deixando,
no local onde dormia, um jornal com o retrato falado do Maníaco do
Parque e um bilhete: “Infelizmente tem de ser assim, preciso ir
embora. Deus abençoe a todos.”
No local habitado por Francisco mais evidências foram encontradas:
fragmentos da carteira de identidade de uma das vítimas estavam
dentro de uma privada, entupida por restos de papéis queimados. A
polícia passou a procurá-lo, tido como principal suspeito.
Descobriu-se, por fim, que em 1995 ele já havia sido preso por
tentativa de estupro em São José do Rio Preto, mas pagou fiança e
foi libertado por ser réu primário.
Após 23 dias foragido, o motoboy foi encontrado na cidade de
Itaqui/RS. Nesse período, ele se tornara o principal suspeito de
oito homicídios, pois outros dois corpos, em situação semelhante
aos demais, igualmente foram encontrados no parque do estado. Logo
após sua prisão, Francisco disse ter matado nove mulheres. Em
seguida, orientado por sua advogada, afirmou ser inocente, mas acabou
voltando atrás e confessou que tinha matado dez mulheres. O motoboy
mudou várias vezes o número de pessoas que ele teria assassinado.
O depoimento de Francisco Pereira traz o relato de uma infância
conturbada e marcada por episódios de abuso sexual por parte de uma
tia materna. Segundo o próprio Francisco, o trauma do abuso sexual
foi a causa que o fez desenvolver uma “fixação por seios”. Já
adulto, teria sido assediado e “seduzido” por um patrão, com o
qual passou a manter relações homossexuais. Após essa experiência,
Francisco manteve um “casamento” de quase um ano de duração com
uma travesti chamada Thayná, relacionamento este marcado por
sucessivos episódios de violência física e conflitos.
Há um relato ao qual Francisco de Assis atribui muita importância.
Trata-se do namoro com uma mulher “gótica, que só usava roupas
pretas e gostava muito de cemitérios”. Segundo o mesmo, durante um
episódio de felação, esta quase lhe arrancou seu pênis com uma
mordida. Como consequência dessa lesão, Francisco passou a sentir
dor durante o ato sexual, o que, segundo seu depoimento, o impedia de
sentir prazer às relações sexuais. Vítimas de estupro e
tentativas de estupro que conseguiram escapar das suas mãos, em seus
depoimentos, confirmaram o relato de que o agressor parecia sentir
dor e não obtinha prazer.
Destacam-se alguns trechos de depoimentos prestados por Francisco de
Assis:
“Quando via uma mulher bela e atraente, eu só pensava em
comê-la. Não só sexualmente. Eu tinha vontade de comê-la viva,
comer a carne”.
“Me aproximava das meninas como um leão se aproxima da presa.
Eu era um canibal. Jogava tudo o que eu podia para conquistá-la e
levá-la para o parque, onde eu acabava matando e quase comendo a
carne. Eu tinha uma necessidade louca de mulher, de comê-la, de
fazê-la sentir dor. Eu pensava em mulher 24 horas por dia.”
A autoria dos crimes foi confirmada por meio de uma comparação
entre a marca de uma mordida na coxa de uma das vítimas e a arcada
dentária do criminoso. Outras evidências também ajudaram a
incriminá-lo: ele usou cheques de uma de suas vítimas e chegou a
ligar para a irmã de outra jovem que ele matou dizendo que ela tinha
sido sequestrada e pedindo mil reais de resgate. A irmã disse à
polícia que a voz ao telefone era a de Francisco Pereira.
Acusado de sete mortes e outros nove estupros, além de roubo e
ocultação de cadáver, Pereira foi submetido a três julgamentos.
No total, foi sentenciado a 271 anos de prisão. Durante seu último
julgamento, em 2002, o motoboy disse ter matado onze mulheres, que
agia "de forma possessiva" e que era dominado por
uma "força maligna" quando cometia os crimes.
Atualmente Francisco de Assis Pereira cumpre pena no presídio de
Taubaté / SP.
3.
AVALIAÇÃO CRÍTICA SOBRE O CASO.
A responsabilização jurídico-penal é aplicada a todo agente
criminoso, seja ou não imputável. A imputabilidade, a qual consiste
na capacidade de ser culpável, é analisado se o sujeito possui a
capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento. Dessa forma, aquele
que comete crime, e for considerado inimputável, sofrerá medida de
segurança detentiva ou restritiva, a depender do seu grau de
periculosidade. Ao contrário, aquele que tem capacidade de
autodeterminação e de entender o caráter ilícito do ato, cumprirá
pena.
De acordo com Barreto (2003, p.6) 8
no Código Penal Brasileiro há a presença de quatro noções
tradicionais de fundamentação da imputação criminal, as quais não
existem, segundo ele, comprovação de eficácia. A primeira pauta-se
na vontade, a segunda na má fé, a terceira no conhecimento do mal e
intenção de praticá-lo e a quarta no discernimento.
Barreto (2003, p. 47) ainda tece discussão crítica entre pensadores
a respeito da ausência de esclarecimentos a iluminar se nos casos de
doenças mentais deve ser seguido um princípio geral acolhedor das
doenças de todos os gêneros ou expor de forma exemplificativa quais
doenças devem ser aferidas como excludentes de culpabilidade. O
direito subjetivo da exclusão da culpabilidade não pode ser posto
como uma conveniência jurídica. Tal crítica é finalizada com a
constatação da inexatidão em aferir doenças mentais pelos
próprios profissionais da saúde.
Foucault (1975, p.35) 9
explana que no comportamento maníaco são observados a perda da
consciência do corpo e das condutas de conservação, com agitação
motora ou explosão de agitação eufórica. Tung (2007, p.
50) 10
define maníaco como o indivíduo que apresenta comportamentos não
coerentes com os padrões sociais, usualmente voltados à perversão.
Tal qualidade se mostrou constante nas atitudes do “maníaco do
parque”, tanto que os policiais passaram a chamar a rota onde foram
executados os crimes de “tour do terror” 11,
sobretudo, porque a satisfação em executá-los estava em ver o
pavor nos rostos daquelas moças. Sua crueldade não se limitava a
prática em si dos delitos, haja vista que o mesmo afirmou que
estudava psicologia (de maneira não profissional), dando a entender
que era com a finalidade de compreender melhor a cabeça de suas
futuras vítimas.
A euforia excessiva, a irritabilidade com ou sem agressividade e a
hiperatividade podem ser as principais qualidades de um maníaco.
Esse desvio psicológico está associado à crença de que suas
atitudes, mesmo as mais inescrupulosas possíveis, serão encaradas
como idôneas e, por vezes, necessárias. É transparente a presença
dessa certeza e do bem estar que tais atitudes proporcionavam a
Francisco, quando esse se utilizava de xingamentos à vítima com o
intuito de confirmar para si próprio que suas atitudes eram
decorrentes da permissiva ida de suas vítimas ao Parque com um
estranho, ou seja, o Maníaco do Parque tinha interiorizado a sua
conduta como correta. E não sentia remorso nas suas atitudes, já
que afirmou que durante o período em que estava matando, esse se
masturbava recordando das cenas vivenciadas, desde o momento da
“caça” até a efetiva morte.
Destaque-se que o Maníaco afirmou ao seu chefe de trabalho que se
tornaria famoso, nem que sua fama viesse das páginas de noticiários
policiais. Desejo alcançado, muito provavelmente, ainda maior do que
suas expectativas. Sua autoafirmação como famoso é percebida
notadamente em suas aparições na TV, apresentando postura firme,
com uma oratória mansa e baixa. Sua fama, inclusive, foi ampliada
por todo o Brasil, fazendo com ele se tornasse recordista em
recebimento de cartas amorosas na prisão.
Marcante também é a repetição das formas de agressão. Pautadas
na reincidência das posições dos corpos, do local, do perfil de
mulher, da presença de mordeduras em partes dos corpos das vítimas
e da presença de mulheres nuas ou seminuas. Sobre essa celeuma
Foucault (1975, p. 23) aduz que “todos os automatismos de
repetição são acentuados, o doente responde em eco às perguntas
que lhe são feitas, um gesto desencadeado susta-se e reitera-se
indefinidamente”.
No caso em análise a sanidade mental do réu foi bastante comentada,
devido à forma serial e similar do cometimento dos crimes, por isto
considerado um serial killer, inclusive, foi utilizado como argumento
de defesa a possível “psicopatia” do Francisco Pereira de Assis.
O Psiquiatra Dr. Antonio José Eça comenta:
“Transtorno de
personalidade antissocial se caracteriza pela incapacidade de tolerar
frustrações, incapacidade de manutenção de vínculos afetivos e
sociais razoáveis e interessantes para ambas as partes e uma
necessidade muito grande de atender suas próprias necessidades e
anseios, a própria vontade, independente da vontade da terceira
pessoa”
Característica marcante do Transtorno de Personalidade dissocial
(TP), como é chamado cientificamente, é o desrespeito e a violação
aos direitos alheios, total ausência de culpa, remorso, busca
unicamente o prazer, são impulsivos e com superficialidade de
sentimentos, além da ausência de apegos emocionais. Pessoas assim
têm habilidades verbais e sociais bem desenvolvidas, o que
notadamente pode ser percebido na entrevista feita na rede de
televisão veiculada em 201212.
É possível perceber como Francisco Pereira de Assis descreve os
fatos sem qualquer timidez, remorso, com palavras muito bem
articuladas. Alegou que sentia um desejo gerado pelo inimigo, algo
maldito. Lembra até dos detalhes de como as vítimas estavam
vestidas. Enquadrando-se exatamente no aspecto conceitual do TP
dissocial.
Nos noticiários da época o próprio promotor acreditou que "ele
[o réu] seja considerado semi-imputável, porque uma parte de sua
personalidade funciona bem, mas ele tem momentos negros13”.
Posicionamento em similitude com o de Foucault (1975, p.23) no qual
expõe: “A consciência do doente está desorientada,
obscurecida, limitada, fragmentada”.
A consequência da semi-imputabilidade é que a culpa não é
excluída, mas sim diminuída, a depender do grau de periculosidade
do agente. O agente não é “inteiramente” capaz de entender a
ilicitude do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento.
Essa faixa intermediária entre a imputabilidade e a inimputabilidade
situa-se “os chamados fronteiriços, que apresentam situações
atenuadas ou residuais de psicoses, de oligofreníase,
particularmente grande parte das chamadas personalidades psicopáticas
ou mesmo transtornos mentais transitórios. Esses estados afetam a
saúde mental do indivíduo sem, contudo, excluí-la14.”
Dessa forma, a perícia psiquiátrica ou psicológica é de
fundamental importância para o fornecimento de um diagnóstico, não
apenas para classificar o agente em imputável, semi-imputável ou
inimputável, mas também o de contribuir para a resolução desse
tipo de caso. Deve ser realizada a anamnese do sujeito com observação
da expressão, do discurso e das atitudes, pois mesmo que de maneira
inconsciente eles acabam demonstrando o seu padrão de funcionamento
mental. “Sendo os portadores de TP
anti-social tipicamente indivíduos manipuladores, eles podem tentar
exercer um controle sobre sua própria fala durante a perícia,
simular, dissimular, enfim, manipular suas respostas ao que lhe for
perguntado. Os testes psicológicos dificultam tal manipulação e
fornecem elementos diagnósticos complementares15.”
[sic].
Importante salientar que a capacidade de entendimento (cognitiva),
via de regra, fica preservada no TP, já o elemento volito pode estar
comprometido e isto pode gerar a condição de semi-imputabilidade
que tem como consequência a diminuição da pena ou imposição de
medida de segurança. Por isto, a psiquiatria forense tem interesse
no estudo do TP, o qual não é considerado doença, mas, em grau
acentuado, tem repercussão da esfera criminal devido a tendências
dos portadores se envolverem em atos criminosos. “Com o
comportamento criminoso recorrente o quadro clínico de TP assume o
feitio de psicopatia16.”
Nesse diapasão, a defesa de Francisco alegou que ele sofria de
desequilíbrio mental e tentou que fosse levado
a um manicômio judiciário. Este, ao ser preso, chegou a
dizer “'Eu
tenho um lado ruim dentro de mim. É uma coisa feia, perversa, que eu
não consigo controlar. Tenho pesadelos, sonho com coisas terríveis.
Acordo todo suado. Tinha noite que não saía de casa porque sabia
que na rua ia querer fazer de novo, não ia me segurar17.”.
A persistência em se vitimar também é uma atitude esperada, pois
esse procura a perene manipulação, como já foi dito, daquele que
ouve seu discurso. Em filme18,
o maníaco na frente das câmeras antes do interrogatório e da
confirmação da sua autoria verbaliza:
Eu me julgo inocente, se a
lei do ser humano me acusa que eu realmente matei que assim seja, que
eu seja punido, morto. Quem sabe amanhã ou depois o verdadeiro
maníaco não passa na frente de todos vocês e vão comprovar
realmente: o inocente morreu, o culpado é esse aqui. Eu quero que
essas moças que apareçam que elas provam que eu fiz alguma coisa
com elas, em relação a tudo isso. [sic]
Seguindo com a análise da oratória do psicopata, é perceptível a
permanência dessas vitimizações. Em entrevista mais recente
apresentada no final da película, o maníaco, agora convertido ao
protestantismo, ao ser questionado sobre a maneira pela qual ele
matou a sua primeira vítima, aduz: “foi dado um laço no
pescoço dela”, em outra resposta agora relacionada ao
direcionamento que o mesmo deu ao cheque roubado, ele continua: “acho
que foi usado na compra de um capacete”. Dito de outra forma, é
evidente o afastamento que Francisco faz quando refere-se aos seus
crimes, não utilizando em nenhum dos momentos em pauta o sujeito em
primeira pessoa do singular.
Em entrevista feita pela Globo, no ano em que Pereira foi preso,
também há sinais dessa manipulação através da vitimização. Era
um amor “macabro”, “oculto”. Retirando de si a
responsabilização dos atos e imputando-os para entes sub-humanos.
Além disso, apesar de afirmar que não era louco, trouxe a
existência de “outro” Francisco, uma personalidade mais ativa e
menos inibida.
Foucault (1975, p. 58) assevera que “o doente reconhece sua
anomalia e dá-lhe, pelo menos, o sentido de uma diferença
irredutível que o separa da consciência e do universo dos outros.
Mas o doente, por mais lúcido que seja não tem sobre seu mal a
perspectiva do médico”.
É relato também no filme, anteriormente citado, seu trauma infantil
de teor sexual (aos seis anos de idade com sua tia). Freud, apud
Foucault (1975, p. 28; 42; 49), fala que a ocorrência dos crimes
seria em razão do regresso a período infantil, a qual estaria
ligada às primeiras atividades eróticas da criança, reproduzindo
para ele comportamentos narcisistas. Para o cientista essa regressão
não é algo natural, mas intencional, como forma de defesa
psicológica por meio da fuga de realidade. Ademais, defende que a
angústia origina-se com a própria vida, mas “alimenta-se dos
impulsos sexuais da criança ao longo do período edipiano”.
Todavia, o próprio Foucault (1975, p. 34) posiciona-se opostamente a
Freud, acreditando sim em um regresso, mas esse qualificado como
condutas segmentárias, análogas as de uma idade anterior (arcaica)
ou de outra cultura (pré-sociais).
Ainda com base no filme, o psiquiatra Antônio José Eça versa que o
transtorno que assola Francisco – apesar de não ter sido imputado
como tal para o cumprimento de sua pena - não tem cura, apenas
havendo a sua acentuação. Nesse diapasão, o delegado Sergio Alves
corrobora com o posicionamento do psiquiatra, asseverando que, em sua
opinião, se o Maníaco do Parque vier a ser solto ele retornará a
cometer os mesmos crimes. Nesse entendimento caminha Foucault (1975,
p. 87) em dizer que entre a psicologia e a loucura há um grande
desequilíbrio que torna vã cada esforço de cura.
Em conclusão, o “motoboy” foi condenado a prisão pelos
homicídios que cometeu, e ainda pelo estupro de outras nove
mulheres, que sobreviveram ao ataque. Ao final foi considerado não
doente mental, e pôde dessa forma ser julgado pelo Tribunal do Júri
e assim ser responsabilizado penalmente. Detalhe é que o laudo
apontou para um ligeiro desvio de personalidade, mas que não
comprometia a capacidade de entender o ilícito penal19.
4.
CONCLUSÕES.
Discutiram-se os conceitos de punibilidade e imputabilidade. Tais
elementos, embora técnicos, são imprescindíveis para a compreensão
do processo de aplicação ou não da pena ao agente, levando em
conta se ele é imputável, semi-imputável ou inimputável.
A doutrina majoritária brasileira considera os psicopatas, como
semi-inimputáveis, tratando os “serial killers” de forma
genérica, como outros semi-inimputáveis quaisquer. Há uma lacuna
na legislação penal brasileira. Casos de assassinatos em série,
causados por psicopatas, não podem ser tratados como “crimes
continuados”, à luz da legislação atual, nem ter a
imputabilidade do agente discutida de forma simplista.
Além destes casos não serem tratados com a devida especificidade na
legislação, a situação do modelo assistencial e de reabilitação
é agravada pela falta de profissionais preparados e estrutura
necessária para a avaliação dos casos concretos e, especialmente,
para o posterior tratamento. Não existe qualquer possibilidade de
recuperação dos indivíduos portadores de psicopatia. Estes, após
o período nas penitenciárias, refinam sua perversão e voltam a
delinquir.
No caso concreto em avaliação, de Francisco de Assis Pereira,
conhecido como o “maníaco do parque”, há claros indícios de
sua consciência de atos. Ao mesmo tempo, o relato de sua vida, com
eventos marcantes de abuso sexual, envolvimentos homossexuais
traumáticos e, em especial, a agressão sofrida em seu pênis que
possivelmente o tenha impossibilitado de ter prazeres sexuais,
fundamentam um comportamento antissocial, psicopata e doentio.
Seus depoimentos de anos atrás, até a mais recente entrevista de
2012, corroboram esta impressão. Continua a mesma pessoa calma e
controlada, mas com um discurso desconectado da realidade, que
racionaliza suas ações e se mostra um ser desimplicado, desprovida
de uma auto-crítica adequada. Interiorizou a sua conduta como
correta e por muito tempo não sentiu remorso nas suas atitudes.
Pelo contrário, relatou que acariciava os corpos das jovens mortas e
posteriormente se masturbava com as lembranças de todo o
acontecimento.
Francisco Pereira não escutava vozes que o impelia a executar tais
atos, mas uma sensação, uma força que lhe movia. É marcante
perceber o relato do prazer que ele sentia pelo terror demonstrado
pelas jovens vítimas, ao morder e agredir seus corpos, e por
matá-las observando as suas vidas fluindo de seus corpos.
Tecnicamente foi considerado semi-imputável, com transtorno
antissocial de personalidade.
- Referências
1
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. parte geral e
parte especial. 7ª ed. ver. atual. e ampl.- São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2011.
2
Decreto-lei n.2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.
República Federativa do Brasil. Rio de Janeiro, 1940.
3
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. vol. 1, parte geral. 15ª
ed. - São Paulo: Saraiva, 2011.
4
MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal. vol. 1, parte
geral. - São Paulo: Editora Atlas, 2011.
5
BRASIL, Decreto-lei n. 24.559 de 3 de julho de 1934. Dispõe sobre a
profilaxia mental e a proteção da pessoa e dos bens do psicopata e
dá outras providências.
6
BRASIL, Lei n. 10.216 de 6 abril de 2001. Dispõe sobre a proteção
e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
7
BRASIL, Decreto-lei n.3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de
Processo Penal.
8
BARRETO, Tobias. Menores e Loucos em Direito Criminal. Ed. Fac –
sim. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. 148p.
9
FOUCAULT, Michel. Doença Mental e Psicologia. Rio de
Janeiro: Ed. Tempo brasileiro. 1975, 99p
10
TUNG, Teng Chei. Enigma bipolar: consequências, diagnóstico
e tratamento do transtorno bipolar. São Paulo: MG Editores. 2007
11
MANÍACO DO PARQUE - Conheça todos os detalhes da investigação
criminal, disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=mfN6gDLUlTQ>,
acessado dia 12/06/2015
12
Entrevista. Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=DIW6_oXD-QU>
acessada dia 11/06/2015
13 MOLIANI,
João Augusto. Autoria e estilo na imprensa escrita: o caso do
maníaco do parque. Dissertação, 2001. disponível em
<http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/bitstream/handle/1884/27893/D%20-%20JOAO%20AUGUSTO%20MOLIANI.pdf?sequence=1.>
14 BITENCOURT,
Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte geral. Volume 1. 17ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1285
15 MORANA,
Hilda C P; STONE, Michael H; ABDALLA-FILHO, Elias. Transtornos de
personalidade, psicopatia e serial killers. Rev.
Bras. Psiquiatr.,
São Paulo , v. 28, supl. 2, p. s74-s79, Oct.
2006 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462006000600005&lng=en&nrm=iso>.
access on 12 June 2015.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462006000600005.
16 MORANA,
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17 Notícia
veiculada no site
<http://noticias.terra.com.br/brasil/crime-e-loucura/>
acessado dia 12/06/2015
18
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criminal, disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=mfN6gDLUlTQ>,
acessado dia 12/06/2015
19 MOLIANI,
João Augusto. Autoria e estilo na imprensa escrita: o caso do
maníaco do parque. Dissertação, 2001. disponível em
<http://dspace.c3sl.ufpr.br:8080/dspace/bitstream/handle/1884/27893/D%20-%20JOAO%20AUGUSTO%20MOLIANI.pdf?sequence=1.>
Bons estudos!
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