Régia Cristina
Alves de Carvalho Maciel1
O Projeto de Lei
4.330/2004, que pretende regular os contratos de terceirização e as
relações trabalhista deles decorrentes, teve em sua redação final
a definição de terceirização como a “transferência feita pela
contratante da execução de parcela de qualquer de suas atividades à
contratada para que esta a realize na forma prevista nesta lei (art
2º, I).”
“No âmbito do
direito do trabalho, terceirização é a contratação, por
determinada empresa (o tomador de serviço), do trabalho de terceiros
para o desempenho de atividade-meio. Ela pode assumir diferentes
formas, como empreitada, locação de serviços, fornecimento etc. O
conceito é o mesmo para a Administração Pública (…) Cada vez
que a Administração Pública recorre a terceiros para a execução
de tarefas que ela mesma pode executar, ela está terceirizando2.”
Importante
conceituar que as atividades exercidas pela Administração Pública
são chamadas de serviços públicos, os quais o Estado assumiu como
seu dever, são destinados à satisfação da coletividade e fruível
singularmente por cada administrado3.
E, embora não esteja previsto a incidência do PL 4.330/2004 na
administração direta, autárquica e fundacional da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 1º, §2º),
esses órgãos tem uma forma própria de transferir suas atividades à
um terceiro, por meio da descentralização de suas atribuições.
Assim, o exercício
das atribuições da administração pública se dá nas formas
direta ou indireta. A primeira ocorre por meio dos seus próprios
órgãos, chamada de concentração; da segunda forma, conhecida como
descentralização, o serviço público pode ser transferido para ser
executado por particulares ou por pessoas jurídicas com
personalidade própria criadas por lei.
Dessa
forma, a
descentralização pela transferência dos serviços públicos para
particulares se dá nos
temos da lei 8.987/1995,
a qual regulou o art.
175 da CF para
dispor sobre o regime de
concessão e permissão de serviços públicos. E
ainda na forma de parceria público-privada nos termos da lei
11.079/2004.
Portanto,
incube ao
Poder
Público, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
A
União, o Estado,
o Distro
Federal ou o Município
delegam
a concessão
ou permissão da prestação
do serviço público,
mediante licitação
na modalidade concorrência. A
concessão pode ser delegada
à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que
exercerão o serviço
público, por
sua conta e risco, por
prazo determinado.
Já na
permissão, a delegação é
à título precário,
e outorgada
à pessoa física ou jurídica, por
sua conta e risco. (art.
2º, II e IV). Cabe ao
poder concedente regulamentar e fiscalizar a prestação do serviço
público, do qual é previsto a cobrança de tarifa ao usuário.
A
parceria público-privada é o
contrato administrativo de concessão de
serviços ou de obras públicas, no qual além da tarifa paga pelo
usuário há uma contraprestação pecuniária do parceiro público
ao privado; ou o contrato de prestação de serviços em
que a Administração
Pública seja usuária direta ou indireta. (art.
2º, §§1 e 2).
Vale
salientar que “em
uma concessão, não é uma atividade ou serviço específico que é
transferido, mas todo o conjunto de atividades necessárias para a
realização de um determinado serviço público, envolvendo sua
gestão e sua execução propriamente dita4.”
Mas,
é na
segunda forma de
descentralização que
encontram-se
as Empresas Públicas (EP)
e Sociedades de Economia Mista (SEM),
as quais se
submeterão às
regras do PL 4.330/2004,
caso seja aprovado nos
termos atuais. E
conforme o
Decreto 200/1967,
esses entes fazem
parte da Administração
indireta (art. 4º, II),
possuem personalidade
jurídica de direito privado, e
se submetem
aos princípios da
administração pública (art.
37 e incisos,
CF),
dentre eles é
importante destacar a
investidura em cago ou emprego público por meio de concurso público
de provas ou provas e títulos e
a
submissão ao processo de licitação pública para obras, serviços,
compras e alienações.
No
entanto, mesmo tendo que prover seus cargos por meio de concurso
público, as EP e SEM podem contratar
a execução do serviço
público por
meio do trabalho
temporário, regulamentado
pela Lei 6.019/1974, é
uma forma que as empresas
urbanas podem se
utilizar para atender
necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e
permanente ou para acréscimo extraordinário de serviço, prestados
por pessoa física (art. 2º). O contrato entre a empresa de trabalho
temporário e a empresa tomadora ou cliente, com relação a um mesmo
empregado, não poderá exceder de três meses, salvo autorização
do
órgão local do Ministério do Trabalho e Previdência Social (art.
10).
Este
tipo de contratação de
empresa de trabalho temporário é
feita mediante licitação pública e não
gera vínculo empregatício com a Administração pública, já
que isto
só é
possível por meio de concurso público (art.
37, II da CF), porém
não isenta de responsabilidade subsidiária quanto
às obrigações trabalhistas caso seja evidenciado conduta culposa
no cumprimento das obrigações da Lei 8.666/93, por
força da Súmula 331 do
TST.
O
grande impasse em
relação ao PL 4.330/2004, é
a previsão
de terceirização de
“qualquer” das atividades do tomador do serviço, sem
limitações quanto
ao percentual de terceirizados que podem ser contratados.
Terceirização
na esfera das empresas
públicas e sociedades de economia mista nos termos do PL 4.330/2004
fere o mandamento constitucional do
concurso público visto
que, qualquer das
atividades podem ser terceirizadas (atividade-meio
e
fim), bem como não
há definição do
percentual que pode ser
admitido nessas
contratações. Poderia
ser
terceirizado
99% dos empregados?
O
PL 4.330/2004 na forma que está só tende a gerar insegurança
jurídica, uma vez que
o entendimento
doutrinário e jurisprudencial é
no sentido de somente
ser
lícita a terceirização
das atividades-meio,
mais insegurança ainda
por englobar as
EP e SEM que, mesmo sendo de direito privado, se subordinam ao Art.
37 da Carta Magna.
Só
haverá compatibilidade entre o PL e a Constituição se não houver
terceirização das
atividades-fim das EP e
SEM, visto
que a partir
de 1988 “é nula a contratação para a investidura em cargo ou
emprego público sem prévia aprovação em concurso público5
.”
“É
preciso, repita-se, ter uma leitura do tema à luz da Constituição,
pois que a supremacia constitucional – ainda mais pronunciada
quando se trata de tema relacionado à atividade estatal – não
tolera que se privilegie a legislação infraconstitucional, em
detrimento dos mandamentos da Lei Maior 6”.
- Referências
CAVALCANTE FILHO, J. T. Terceirização na Administração Pública e Princípio Constitucional do Concurso Público: considerações sobre o PL no 4.330, de 2004. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Abril/2015 (Texto para Discussão no 173). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 13 de abril de 2015.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella . Direito administrativo. 27. ed.- São Paulo: Atlas, 2014.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO . 27ª edição, revista e atualizada até a Emenda Constitucional 64, de 4/2/2010.São Paulo: Malheiros, 2010.
DECRETO-LEI No 200, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências.
LEI Nº 6.019, DE 3 DE JANEIRO DE 1974. Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, e dá outras Providências.
LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993 Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
LEI Nº 8.987, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências.
LEI Nº 9.074, DE 7 DE JULHO DE 1995. Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências.
LEI Nº 11.079, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública.
1 Graduanda
do Curso de Direito, Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFRN
2 Di
Pietro, 2013, p. 361
3 Mello,
2010, p. 671
4 Disponível
em
http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BA5F4B7012BAAF91A9E060F/Prod03_2007.pdf,
acessado em 09/06/2015
5 STF,
Segunda Turma, AgR no AI no 680.939, Relator Ministro Eros Grau,
DJe de 1o.02.2008
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