domingo, 14 de junho de 2015

Conceito de Terceirização de Acordo com o PL 4.330/2004 e as formas de Terceirização na Administração Pública direta e indireta


Régia Cristina Alves de Carvalho Maciel1


O Projeto de Lei 4.330/2004, que pretende regular os contratos de terceirização e as relações trabalhista deles decorrentes, teve em sua redação final a definição de terceirização como a “transferência feita pela contratante da execução de parcela de qualquer de suas atividades à contratada para que esta a realize na forma prevista nesta lei (art 2º, I).”

“No âmbito do direito do trabalho, terceirização é a contratação, por determinada empresa (o tomador de serviço), do trabalho de terceiros para o desempenho de atividade-meio. Ela pode assumir diferentes formas, como empreitada, locação de serviços, fornecimento etc. O conceito é o mesmo para a Administração Pública (…) Cada vez que a Administração Pública recorre a terceiros para a execução de tarefas que ela mesma pode executar, ela está terceirizando2.”

Importante conceituar que as atividades exercidas pela Administração Pública são chamadas de serviços públicos, os quais o Estado assumiu como seu dever, são destinados à satisfação da coletividade e fruível singularmente por cada administrado3. E, embora não esteja previsto a incidência do PL 4.330/2004 na administração direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 1º, §2º), esses órgãos tem uma forma própria de transferir suas atividades à um terceiro, por meio da descentralização de suas atribuições.

Assim, o exercício das atribuições da administração pública se dá nas formas direta ou indireta. A primeira ocorre por meio dos seus próprios órgãos, chamada de concentração; da segunda forma, conhecida como descentralização, o serviço público pode ser transferido para ser executado por particulares ou por pessoas jurídicas com personalidade própria criadas por lei.

Dessa forma, a descentralização pela transferência dos serviços públicos para particulares se dá nos temos da lei 8.987/1995, a qual regulou o art. 175 da CF para dispor sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos. E ainda na forma de parceria público-privada nos termos da lei 11.079/2004.

Portanto, incube ao Poder Público, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. A União, o Estado, o Distro Federal ou o Município delegam a concessão ou permissão da prestação do serviço público, mediante licitação na modalidade concorrência. A concessão pode ser delegada à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que exercerão o serviço público, por sua conta e risco, por prazo determinado. na permissão, a delegação é à título precário, e outorgada à pessoa física ou jurídica, por sua conta e risco. (art. 2º, II e IV). Cabe ao poder concedente regulamentar e fiscalizar a prestação do serviço público, do qual é previsto a cobrança de tarifa ao usuário.

A parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão de serviços ou de obras públicas, no qual além da tarifa paga pelo usuário há uma contraprestação pecuniária do parceiro público ao privado; ou o contrato de prestação de serviços em que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta. (art. 2º, §§1 e 2).

Vale salientar que em uma concessão, não é uma atividade ou serviço específico que é transferido, mas todo o conjunto de atividades necessárias para a realização de um determinado serviço público, envolvendo sua gestão e sua execução propriamente dita4.”

Mas, é na segunda forma de descentralização que encontram-se as Empresas Públicas (EP) e Sociedades de Economia Mista (SEM), as quais se submeterão às regras do PL 4.330/2004, caso seja aprovado nos termos atuais. E conforme o Decreto 200/1967, esses entes fazem parte da Administração indireta (art. 4º, II), possuem personalidade jurídica de direito privado, e se submetem aos princípios da administração pública (art. 37 e incisos, CF), dentre eles é importante destacar a investidura em cago ou emprego público por meio de concurso público de provas ou provas e títulos e a submissão ao processo de licitação pública para obras, serviços, compras e alienações.

No entanto, mesmo tendo que prover seus cargos por meio de concurso público, as EP e SEM podem contratar a execução do serviço público por meio do trabalho temporário, regulamentado pela Lei 6.019/1974, é uma forma que as empresas urbanas podem se utilizar para atender necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou para acréscimo extraordinário de serviço, prestados por pessoa física (art. 2º). O contrato entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora ou cliente, com relação a um mesmo empregado, não poderá exceder de três meses, salvo autorização do órgão local do Ministério do Trabalho e Previdência Social (art. 10).

Este tipo de contratação de empresa de trabalho temporário é feita mediante licitação pública e não gera vínculo empregatício com a Administração pública, já que istoé possível por meio de concurso público (art. 37, II da CF), porém não isenta de responsabilidade subsidiária quanto às obrigações trabalhistas caso seja evidenciado conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666/93, por força da Súmula 331 do TST.

O grande impasse em relação ao PL 4.330/2004, é a previsão de terceirização de “qualquer” das atividades do tomador do serviço, sem limitações quanto ao percentual de terceirizados que podem ser contratados.

Terceirização na esfera das empresas públicas e sociedades de economia mista nos termos do PL 4.330/2004 fere o mandamento constitucional do concurso público visto que, qualquer das atividades podem ser terceirizadas (atividade-meio e fim), bem como não há definição do percentual que pode ser admitido nessas contratações. Poderia ser terceirizado 99% dos empregados?

O PL 4.330/2004 na forma que está só tende a gerar insegurança jurídica, uma vez que o entendimento doutrinário e jurisprudencial é no sentido de somente ser lícita a terceirização das atividades-meio, mais insegurança ainda por englobar as EP e SEM que, mesmo sendo de direito privado, se subordinam ao Art. 37 da Carta Magna.

Só haverá compatibilidade entre o PL e a Constituição se não houver terceirização das atividades-fim das EP e SEM, visto que a partir de 1988 “é nula a contratação para a investidura em cargo ou emprego público sem prévia aprovação em concurso público5 .”

É preciso, repita-se, ter uma leitura do tema à luz da Constituição, pois que a supremacia constitucional – ainda mais pronunciada quando se trata de tema relacionado à atividade estatal – não tolera que se privilegie a legislação infraconstitucional, em detrimento dos mandamentos da Lei Maior 6.

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  • Referências

CAVALCANTE FILHO, J. T. Terceirização na Administração Pública e Princípio Constitucional do Concurso Público: considerações sobre o PL no 4.330, de 2004. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Abril/2015 (Texto para Discussão no 173). Disponível em: www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 13 de abril de 2015.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella . Direito administrativo. 27. ed.- São Paulo: Atlas, 2014.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO . 27ª edição, revista e atualizada até a Emenda Constitucional 64, de 4/2/2010.São Paulo: Malheiros, 2010. 

DECRETO­-LEI No 200, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências.

LEI Nº 6.019, DE 3 DE JANEIRO DE 1974. Dispõe sobre o Trabalho Temporário nas Empresas Urbanas, e dá outras Providências.
LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993 Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
 LEI Nº 8.987, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências.
 LEI Nº 9.074, DE 7 DE JULHO DE 1995. Estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos e dá outras providências.
 LEI Nº 11.079, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-­privada no âmbito da administração pública.


1 Graduanda do Curso de Direito, Centro de Ciências Sociais Aplicadas da UFRN
2 Di Pietro, 2013, p. 361
3 Mello, 2010, p. 671
5 STF, Segunda Turma, AgR no AI no 680.939, Relator Ministro Eros Grau, DJe de 1o.02.2008
6  Cavalcante Filho, 2015, p. 8



Bons estudos!



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