Régia Cristina Alves de Carvalho Maciel¹
¹Aluna de graduação do curso de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte
- Considerações gerais
O
Estado brasileiro
celebrou em 1994
o Protocolo
de Colonia
para a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos no
MERCOSUL, uma acordo
que prevê a livre circulação dos investimentos entre
as partes contratantes, República
Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do
Paraguai e a República Oriental do Uruguai, com
a finalidade de criar
condições
favoráveis para os investimentos de investidores de uma das Partes
Contratantes no território de outra Parte Contratante visando
intensificar
a cooperação econômica e acelerar
o processo de integração entre os quatro países.
Ainda
no mesmo ano celebrou
acordo para Protocolo
sobre Promoção e Proteção de Investimentos Provenientes de
Estados não membros do MERCOSUL,
com o objetivo de evitar condições diferenciais que tivessem o
efeito de distorcer os fluxos de investimentos dirigidos à
região. O
Protocolo estabelece, assim, parâmetros
máximos
de concessões que
podem ser estendidas a investimentos realizados por investidores de
Estados não-membros do MERCOSUL em questões tais como a admissão
do investimento estrangeiro, a livre transferência do capital
investido, compensações em casos de nacionalização ou
desapropriação e mecanismos de solução de controvérsias
entre o investidor e o país receptor do investimento.
Também
celebrou, bilateralmente,
Acordos
de promoção e proteção recíproca de investimentos
com os
seguintes Estados:
Governo da República Portuguesa, e
com o
Governo
da República do
Chile, ambos
em
1994; com o Governo do Reino Unido, da
Grã-Bretanha
e Irlanda do Norte e com a Confederação Suíça em 1995; com a
República Francesa em 1997 e por fim com a República Federal da
Alemanha em 1998.
- Situação dos atos internacionais
O
Protocolo
de Colonia
para a Promoção e a Proteção Recíproca de Investimentos no
MERCOSUL ainda não entrou em vigor, em seu art. 11 prevê a entrada
em vigor 30 (trinta) dias após a data de depósito do quarto
instrumento de ratificação, sendo
que nenhuma
das partes contratantes
o ratificaram1.
Quanto
ao Protocolo sobre
Promoção e Proteção de Investimentos Provenientes de Estados
não-membros
do MERCOSUL, apenas
a República
Federativa do Brasil não o ratificou (ver
anexo),
na
verdade, o Estado brasileiro recomendou a retirada de tramitação do
texto do Protocolo por meio do envio da Mensagem 162 de 08/04/2004 ao
Congresso Nacional,
acompanhada da Exposição de Motivos do Ministério das Relações
Exteriores.
Além
desse,
a
Presidência da República também pediu retirada de tramitação dos
Acordos
bilaterais de
promoção e proteção recíproca de investimentos
celebrados
com os países citados anteriormente,
por
meio de Mensagens
enviadas
dia
13/12/2002 ao
Congresso
Nacional2.
Diante
disto, a questão que se coloca aqui é de saber qual o fundamento
jurídico que autoriza o Governo a retirar da pauta um tratado que já
tenha enviado aprovação.
Antes
de responder, é preciso esclarecer o processo de incorporação de
um tratado internacional no ordenamento jurídico brasileiro.
Primeiramente,
o acordo internacional é celebrado pelo Chefe de Estado ou por quem
o represente. Compete ao Presidente da República, privativamente,
celebrar tratados e convenções e atos internacionais, sujeitos a
referendo do Congresso Nacional, nos temos do art. 84, VIII da
Constituição Federal.
Ao
Congresso Nacional, por sua vez, compete exclusivamente resolver
definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional,
conforme art. 49, I da Carta Magna. Tal aprovação se dá por meio
da promulgação de um Decreto legislativo.
Assim,
a Presidência da República submete o acordo internacional à
apreciação do Congresso Nacional, essa comunicação se dá por
meio do envio de mensagem com a exposição de motivos, juntamente
com cópia do ato internacional.
Inicialmente
cabe à Câmara dos Deputados, por meios das Comissões de Relações
Exteriores e da Comissão de Constituição Justiça e Cidadania, por
exemplo, analisarem o pedido de aprovação do tratado. Após esse
trâmite o Projeto de lei é enviado para ser apreciado pelo Senado
Federal. Neste, o Projeto é analisado pelas Comissões de Relações
Exteriores e Defesa Nacional, Comissão de Constituição Justiça e
Cidadania, por exemplo. Em sendo aprovado é feita a promulgação
por meio de um Decreto legislativo e enviado à Presidência da
República para sanção, promulgação e publicação.
Percebe-se
que esse trâmite para
aprovação do
tratado internacional no ordenamento jurídico brasileiro é o mesmo
utilizado para o processo das leis nacionais, e como tal se
submete
aos regimentos internos da Câmara, do
Senado e
o Regimento Comum do Congresso Nacional,
e
nesse ponto é possível extrair o fundamento jurídico que autoriza
o pedido de retirada de
pauta do
tratado
enviado para aprovação.
Senão
vejamos, o art. 42 do Regimento Comum Congresso autoriza ao autor o
pedido de retirada de qualquer proposição, por esse dispositivo
tem-se a fundamentação jurídica a ser utilizada pela Presidência da
República quanto as suas proposições.
Art.
42. A retirada de qualquer proposição só poderá ser requerida por
seu autor e dependerá de despacho da Presidência.
Parágrafo
único. Competirá ao Plenário decidir sobre a retirada de
proposição com a votação iniciada
Corroborando
com isto, nos
termos do art. 104 e seu §5º do
Regimento Interno da Câmara dos Deputados, também
é evidente
a aplicação desse artigo às
proposições
de iniciativa do Poder Executivo:
Art.
104. A retirada de proposição, em qualquer fase do seu andamento,
será requerida pelo Autor ao Presidente da Câmara, que, tendo
obtido as informações necessárias, deferirá, ou não, o pedido,
com recurso para o Plenário.
§
5º Às proposições de iniciativa do Senado Federal, de outros
Poderes, do Procurador-Geral da República ou de cidadãos
aplicar-se-ão as mesmas regras.
Ao
passo que, no Regimento Interno do Senado Federal não há disposição
expressa que legitime o Poder Executivo a solicitar retirada de pauta
de proposição, vejamos:
Art.
256. A retirada de proposições em curso no Senado é permitida:
I
– a de autoria de um ou mais Senadores, mediante
requerimento do único signatário ou do primeiro deles;
II
– a de autoria de comissão, mediante requerimento de seu
Presidente ou do Relator da matéria, com a declaração expressa de
que assim procede devidamente autorizado. (grifos nossos)
Diante
disto é possível concluir que o Regimento Comum do Congresso e o
Regimento Interno da Câmara dos Deputados autorizam ao Poder
Executivo o pedido de retirada de pauta de proposições de sua
autoria, aí incluídos os atos internacionais.
3. Comentários
às
mensagens
que foram
enviadas
pela
Presidência da República com exposição de motivos do
Ministério das Relações
Exteriores
ao Congresso
Nacional
3.1 Protocolo
sobre Promoção e Proteção de Investimentos Provenientes de
Estados não membros do MERCOSUL, concluído
em Buenos Aires, no âmbito do Mercosul, e assinado pelo Brasil em
5 de agosto de 1994.
- Submetido à consideração do Congresso Nacional por meio da Mensagem nº 749, de 1995.
Pelos
termos da Mensagem 126 do Poder Executivo, de 08/04/2004, a qual
recomendou a retirada de tramitação do Protocolo em análise,
basicamente foram ressaltados três aspectos para justificar a
retirada de pauta: sobre a indenização para desapropriação, sobre
a transferência de recursos para o exterior e quanto a solução de
controvérsias.
Acerca
da desapropriação, está previsto na Constituição Federal de 1988
que
“a lei estabelecerá o procedimento para
desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por
interesse social, mediante justa e prévia indenização em
dinheiro...”, ao passo que o Protocolo (art. 2º, D, 1) prevê que
a indenizações será “justa, adequada, imediata ou oportuna”.
Pela exposição de motivos observa-se que aos nacionais brasileiros
o recebimento da indenização se dá de forma mais demorada, “por
instrumentos financeiros de longa maturação3”,
ocorreria nesse caso um desfavor dos nacionais ao contrário do que
ocorreria para os investidores estrangeiros que receberiam
indenização imediata.
Sobre
a transferência de recursos prevê “a livre transferência de seus
investimentos e rendas”, “na forma como estão formuladas essas
disposições, fica evidente que está bastante restrita a
possibilidade de adequação do País ao nível de reservas existente
no momento em que uma crise de balanço de pagamentos requeira
ocasião melhor para permitir fluxo de transferências4”.
Finalmente,
em relação à solução de controvérsias com investidores
estrangeiros, primeiramente o Protocolo prevê a solução por meio
de consultas amistosas, se não resolvida poderá ser submetida ou
aos tribunais competentes do Estado Parte em cujo território foi
realizado o investimento ou à arbitragem internacional. Segundo
a exposição de motivos, essa
regra significa uma renúncia
à
jurisdição interna; inclusive,
na apreciação desta cláusula, a Comissão
de Tributação e Finanças da Câmara de Deputados, aprovou
o texto com ressalva da cláusula H, a qual trata da
Solução
de controvérsias entre um investidor de um terceiro Estado
e um Estado
parte receptor do investimento
.
“A
possibilidade de escolha direta da arbitragem internacional por parte
do investidor significa o abandono, por parte do Brasil, de um
princípio clássico do direito internacional, a regra do esgotamento
dos recursos internos a qual prescreve ter o Estado o direito de
sanar um suposto ilícito antes que sua responsabilidade
internacional seja levantada5.
”
3.2 Acordo
sobre Promoção e Proteção Reciproca de Investimentos
(APPIs),
celebrado entre o Governo da República Federativa do Brasil e
-
o
Governo da República Portuguesa, submetido a consideração do
Congresso Nacional pela Mensagem n° 1.158, de 1994;
-
o
Governo da República do Chile, submetido a consideração do
Congresso Nacional pela Mensagem n° 1.159 de 1994;
-
o
Governo do Reino Unido, da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte,
submetido a consideração do Congresso Nacional pela Mensagem n° 8,
de 1995;
-
a
Confederação
Suíça, submetido a consideração do Congresso Nacional pela
Mensagem nº
10,
de 1995;
-
o
Governo da República Francesa, submetido a consideração do
Congresso Nacional pela Mensagem nº
652, de 1997;
-
o Governo da República Federal da Alemanha, submetido a consideração
do Congresso Nacional pela Mensagem nº 755, de 1998;
De
acordo com a exposição de motivos para retirada de tramitação dos
Acordos bilaterais internacionais acima mencionados, inicialmente é
explicado que a finalidade dos Acordos “era contribuir para a
moldura jurídica de proteção de investimentos estrangeiros e,
portanto, reforçar o potencial do País para captar significativos
aportes de recursos externos, sobretudo de pequenos e médios
investidores” . Além disso, “procurava o Brasil acompanhar o
movimento internacional que, à época caminhava naquela direção.
Foi decisiva, naquele momento, a avaliação de que, ao celebrarem
acordos de promoção e proteção de investimentos, outros países
mostrar-se-iam mais atraentes e seguros que o Brasil aos olhos do
investidor estrangeiro.”
Explica
ainda que houve, a partir de 1977, questionamentos aos Acordos
Multilaterais de Investimentos negociados do âmbito da OCDE,
resultando um declínio do apoio político às negociações e então
o Congresso Nacional passaram a criticar as APPIs assinadas pelo
Brasil.
Além
disso, os “Acordos nunca encontraram o respaldo político necessário
para sua aprovação”, além de “não mais refletir a tendência
que prevalece no cenário internacional”. E ainda que a
inexistência desse tipo de acordo não afeta a posição de Brasil
como receptor de investimentos.
Foi
diante deste cenário e acontecimentos que o Ministério das Relações
Exteriores recomendou a retirada de pauta dos Acordos Internacionais,
os quais atualmente estão arquivados e insusceptíveis de
promulgação.
ANEXO
Transcrição da mensagem nº 162:
"Senhores Membros do Congresso Nacional,
Solicito a Vossa Excelência, de conformidade com a Exposição de Motivos do Senhor Ministro de Estado das Relações Exteriores, interino, a retirada de tramitação do texto do Protocolo sobre Promoção e Proteção de Investimentos Provenientes de Estados Não-Membros do Mercosul, concluído em Buenos Aires, no âmbito do Mercosul, e assinado pelo Brasil em 5 de agosto de 1994, enviado à Câmara dos Deputados com a Mensagem nº 749, de 1995.
Brasília, 8 de abril de 2004 "
Assinado eletronicamente por: Samuel Pinheiro Guimarães Neto
|
1 |
Tratado
para la Constitución de un Mercado Común (Tratado de Asunción) -
ANEXOS I, II, III, IV y V. Firmado: Asunción, 26 de marzo de 1991 Español - Português |
---
|
L:
23.981
15-AGO-91 D: 30-OCT-91 |
DTO.
LEG. 197
25-SET-91 D: 30-OCT-91 |
L:
9/91
15-JUL-91 D: 6-AGO-91 |
L:
16.196
22-JUL-91 D: 6-AGO-91 |
Pendiente
|
---
|
---
|
30 d D
3º I.R.29
-NOV-.91
|
2 |
Protocolo
de Brasilia para la Solución de Controversias. Firmado: Brasilia, 17 de diciembre de 1991 Español - Português |
DEC.
Nº 01/91
|
L.
24.102
17-JUL-92 D: 28- DIC- 92 |
DTO.
LEG. 88
1-DIC-92 D: 28-DIC- 92 |
L:
18/92
2-JUL-92 D: 16-JUL-92 |
L.
16.348
1-ABR-93 D: 22-ABR-93 |
---
|
---
|
---
|
NO
VIGENTE
(Derogado por el Protocolo de Olivos) |
3 |
Protocolo
de Cooperación y Asistencia Jurisdiccional en Materia Civil,
Comercial, Laboral y Administrativo (Protocolo de las
Leñas).Firmado:
Valle de las Leñas, 27 de junio de 1992 CONTEMPLA AUTORIDAD CENTRAL Español - Português |
DEC.
Nº 05/92
|
L: 24.
578
D: 3-JUL-96 |
DTO.
LEG. 55
19-ABR-95 D: 16-FEB-96 |
L:
270
10-DIC-93 D: 12-SET-95 |
L.
16.971
15-JUN-98 D: 20-JUL-99 |
---
|
---
|
---
|
30 d D
2º I.RVIGENTE
17-MAR-96 |
4 |
Protocolo
de Colonia para la Promoción y Protección Recíproca de
Inversiones en el MERCOSUR. Firmado. Colonia del Sacramento, 17 de enero de 1994 Español - Português |
DEC.
Nº 11/93
|
Pendiente
|
Pendiente
|
Pendiente
|
Pendiente
|
---
|
---
|
---
|
30
d D 4º I.R.NO VIGENTE
|
5 |
Protocolo
sobre Promoción y Protección de Inversiones Provenientes de
Estados No Partes del MERCOSUR. Firmado. Buenos Aires, 5 de agosto de 1994 Español - Português |
DEC.
Nº 11/94
|
L:
24554
D: 14-MAR- 96 |
Pendiente
|
L:
593
15-JUN-95 D: 12-SET-95 |
L:
17.531
9-AGO-02 D: 11-JUL-03 |
---
|
---
|
---
|
30
d D 4º I.R.
NO VIGENTE |
- Referências
1 Informações
disponíveis no site
<http://www.mercosur.int/innovaportal/v/4824/1/secretaria/tratados_protocolos_e_acordos_depositados_no_paraguai>,
acessado em 08Mai2015
2 Mensagens
Presidencial nº: 1.079; nº1.080, nº 1.081; nº 1.082; nº 1.083 e
nº 1.084, publicadas no diário da Câmara dos Deputados nº 184 de
13/12/2002, pág. 54409 a 54415.
3 Exposição
de motivos da Mensagem 162/2004, §3.
4 Débora
Bithiah de Azevedo . Os acordos para a promoção e a proteção
recíproca de investimentos assinados pelo Brasil , 2001, disponível
em <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/2542>,
acessado dia 09/05/2015
5 Débora
Bithiah de Azevedo . Os acordos para a promoção e a proteção
recíproca de investimentos assinados pelo Brasil , 2001, disponível
em <http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/2542>,
acessado dia 09/05/2015
Bons estudos!
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