Acabamos
de ver como se dá a aplicação dos tratados internacionais no plano
internacional, regras que vão balizar comportamento dos Estados e
Organizações Internacionais sobre a vinculação e execução do
tratado internacional, e a Convenção de Viena tem vocação de ser
aplicada no ordenamento brasileiro desde 2009.
A
aplicação do tratado internacional no ordenamento jurídico
brasileira depende de um processo legislativo, e constitui um
mecanismo de controle dos atos do Executivo pelo Poder Legislativo,
isso é característico de um Estado de Direito.
Todo
ato celebrado pelo Poder Executivo deve passar pelo crivo do
Congresso Nacional, que de acordo com art 49, I da Constituição
Federal, estabelece sua competência para pronunciar definitivamente
sobre os atos internacionais.
A
partir de 2004 e com a intervenção do constituinte derivado por
meio da emenda constitucional nº 45 essa processualística de
incorporação do tratado internacional passa a sofrer uma
modificação em função da matéria, com acréscimo do §3º ao
art. 5º exige do Congresso Nacional um quorum qualificado. Logo, a
aplicação do tratado internacional no ordenamento jurídico
brasileiro está sujeito a um processo de internalização, de
recepção do tratado internacional de acordo com art. 49, I e art.
5, §3º da CF.
Art. 49. É da
competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver
definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
Art. 5, § 3º Os
tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais.
O
primeiro estabelece um regime geral de incorporação e o segundo, um
regime específico para o tratado internacional de direitos humanos.
6.1. O regime geral previsto no art. 49, I da Constituição Federal Brasileira
O
regime geral é o processo que se aplica a todos os tratados, ocorre
em atuação conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo, com
iniciativa da presidência da república.
Primeiramente
desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 o Brasil
passou a celebrar milhares de tratados internacionais, o que
configurou uma maior participação no cenário internacional,
ensejou sua inserção na comunidade internacional, e isso estimulou
o trabalho do Congresso Nacional na recepção desses tratados.
Para
que um tratado internacional produza efeitos jurídicos no
ordenamento brasileiro não basta a manifestação do consentimento
do seu representante em cumprir o pacta sunt servanda,
é preciso que a manifestação da soberania seja objeto de um
processo de incorporação, consistente no mecanismo de controle
parlamentar dos atos do Poder Executivo.
Logo,
esse processo de incorporação do tratado internacional regido pela
CF de 1988 suscitou o trabalho em conjunto entre os poderes Executivo
e Legislativo. Sabemos que de acordo com a Carta Magna de 1988,
somente o Poder Executivo está habilitado a relacionar-se
internacionalmente, nos termos do art. 84, VIII, dessa forma o estado
brasileiro pelo Poder Executivo representa o interesse nacional, mas
não se compromete internacionalmente a cumprir os tratado vez que é
necessário que haja a intervenção do Congresso Nacional.
Art. 84. Compete
privativamente ao Presidente da República: VIII - celebrar tratados,
convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso
Nacional;
O
Brasil adotou o sistema dualista para incorporação de um tratado
internacional,o qual exige submissão de todo ato internacional ao
crivo do parlamento. Os efeitos jurídicos dessa incorporação são
o de criar direitos para os particulares, bem como a obrigação dos
poderes públicos em cumprir as regras do tratado em seu território
de acordo com o art. 29 da Convenção de Viena de 1969.
a) Atuação conjunta dos Poderes Executivo e Legislativo
Basicamente
essa atuação conjunta é regida pelo art 49,I e 84, VIII da CF. O
tratado devidamente assinado pelo Presidente da República só
produzirá efeito jurídico no plano interno com a anuência do
Congresso Nacional. Mas a aplicação do tratado internacional,
sempre parte da iniciativa do Presidente da República porque o
desejo, a vontade política de vincular-se internacionalmente sempre
vem das relações externas desenvolvidas pelo governo.
As
negociações, a celebração é uma prerrogativa do Poder Executivo,
a sua aplicabilidade interna é prerrogativa do Congresso Nacional.
O
art. 84, VIII da CF determina que a celebração é sempre da
competência privativa do Presidente da República condicionado ao
pronunciamento do Congresso Nacional. Então não há possibilidade,
via de regra, de aplicação de um tratado internacional sem um
pronunciamento positivo do Congresso Nacional.
A
questão de que se coloca é de saber se todos os tratados passam
pelo crivo no Congresso Nacional. Na prática observa-se que vários
atos internacionais são aplicados independentemente de processo
legislativo, são os chamados acordos executivos, os quais são
tratados internacionais celebrados pelo Poder Executivo, mas em razão
da sua insignificância jurídica não necessitam do trabalho
legislativo, na verdade recorre-se aos critérios do art. 49, I. Por
exemplo, um acordo internacional sobre intercambio universitário não
precisa do processo legislativo.
Se
o Brasil celebra o Tratado de Assunção que cria uma Organização
Internacional que tem competência normativa, essas normas elas
decorrem de uma ato constitutivo que recebeu anuência e incorporação
do estado brasileiro. As normas emanadas desse órgão, via de regra,
necessitariam de processo legislativo do Congresso Nacional, mas por
essa doutrina não, porque seria competências derivadas de uma
Organização Internacional que o Brasil participou e o Congresso
Nacional já ratificou.
Via
de regra, todos os tratados internacionais devem ser apresentados ao
Congresso Nacional.
Quando
a presidência entrega a mensagem do tratado internacional inicia-se
o processo legislativo, o art. 59, VI da CF trata do processo.
Art. 59. O processo
legislativo compreende a elaboração de: (...) VI - decretos
legislativos
Sob
o regime da Constituição Federal de 1988 existe uma outra prática
que é de atribuir ao tratado internacional a sanção do processo de
aprovação pela aprovação de um decreto legislativo.
O
decreto legislativo faz parte da lista do art. 59 da Constituição
brasileira, sendo um produto normativo do Congresso Nacional. E o
tratado é outra espécie normativa que não consta na relação do
art 59., daí porque o parlamentar não teria como aprovar o tratado
internacional porque tal espécie não consta na lista no art. 59.
Daí
vem a necessidade de se reconhecer o tratado como espécie normativa
própria, e que não pertence a norma jurídica interna, não é da
alçada do jurídico interno elaborar tratado.
Mas
no momento em que o tratado é apresentado ao Congresso Nacional ele
vai se despir dessa roupagem de tratado internacional. Esquece o
mundo exterior e cuida do tratado apenas do ponto de vista interno.
Passa a ser apresentado à Câmara dos Deputados, onde inicia-se o
processo legislativo. A Câmara vai encaminhar o tratado para duas
comissões, a de Relações Exteriores e a de Constituição, Justiça
e Cidadania (CCJ). A primeira comissão vai apreciar o tratado
internacional à luz dos interesses políticos do estado brasileiro.
Mas o tratado não pode ser alterado, apenas pode se pedir uma
reserva.
A
comissão de relações exteriores encaminha seu parecer à Comissão
de Constituição Justiça e Cidadania, esta vai analisar os aspectos
administrativos fazendo controle de legalidade. Assim, o tratado
passa por um controle pelas comissões, o deputado terá como saber
se o tratado fere alguma legislação já existente.
Após
aprovação em plenário, a Câmara envia o projeto para o Senado
Federal. A Comissão das Relações Exteriores e Defesa Nacional vai
repetir o trabalho já feito na Câmara dos Deputados e enviar também
à CCJ. O projeto será sujeito ao voto de maioria simples de acordo
com art . 47 da Constituição Federal.
Art. 47. Salvo
disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada
Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos,
presente a maioria absoluta de seus membros.
Quando
o Senado aprova o Decreto legislativo ele é publicado no diário
oficial do Congresso Nacional, é uma primeira promulgação feita
pelo Presidente do Congresso Nacional, trata-se da divulgação da
aprovação pelo Congresso Nacional.
Após,
é encaminhado à Presidente da República, que faz a segunda
publicação no diário oficial da União. Logo temos dois atos de
promulgação.
A
promulgação é um ato administrativo que vai sancionar a entrada em
vigor de uma norma, lei, tratado internacional. Ao emitir o decreto,
que é a promulgação, o tratado internacional passa a produzir
efeito jurídico, e se atribui força executória pelo ato de
promulgação.
Exige-se
a publicação no diário oficial da União em cumprimento com a
publicidade. Decreto sem ser publicado no diário oficial ainda não
produz efeito jurídico.
O
que se colocou como problemática no processo legislativo é de saber
se o ato de promulgação do presidente do Congresso Nacional seria
suficiente para ter efeito jurídico do tratado. Poderia
se dispensar o decreto presidencial?
De
acordo com art. 84, IV da CF, observa-se que, via de regra, o
Presidente da República deveria sancionar o decreto legislativo. Mas
o que acontece se ele não se pronunciar? no silêncio do Presidente
da República o tratado internacional poderia entrar em vigor.
Art. 84. Compete
privativamente ao Presidente da República: (..)
IV - sancionar,
promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e
regulamentos para sua fiel execução;
Art. 66, §3º -
Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da
República importará sanção.
b) Efeitos jurídicos da incorporação
O
tratado internacional entrou em vigor, foi promulgado e publicado,
passa a produzi efeitos jurídicos. Isso significa que o Brasil se
comprometeu internacionalmente a adotar determinado comportamento que
vai gerar direito para seus súditos. Essa obrigação internacional
não se limita ao Pode Executivo.
A
aplicação do tratado significa que no momento da vigência gera
obrigação para o Brasil no planos interno e internacional. O
descumprimento pode acarretar a responsabilidade internacional. Se o
STF ou STJ descumprirem um tratado internacional, o estado brasileiro
responde no âmbito internacional.
Para
os particulares, a incorporação do tratado os autoriza a buscar a
satisfação dos direitos previstos perante a autoridade judiciária
ou administrativa, a qual tem a obrigação de aplicar a norma.
Segundo
ponto é a posição hierárquica. O tratado internacional equivale a
uma lei ordinária. Essa foi um afirmação dada pelo STF no RE8.0004
de 1/7/77. A doutrina condena essa decisão.
Esse
RE trata da normativa sobre letras de câmbio e notas promissórias,
que são formas de pagamento. A normativa interna trazia vantagem
para a empresa e era contrária a Convenção de Genebra de 1977. O
que determinou o STF? reconheceu uma paridade entre a lei e o
tratado, sendo assim, aplica-se a regra lex posterior derogat
priori.
Se
o tratado equivale à uma lei então vou fazer prevalecer uma lei
posterior revogando a lei anterior, que é o tratado. Exatamente o
que fez o STF, fez prevalecer uma lei ordinária sobre um tratado
internacional invocando além da paridade normativa, esse critério
cronológico. Com isso rompeu com a jurisprudência que reconhecia a
prevalência dos tratados internacionais.
Esse
entendimento prevaleceu até 1992, quando o Brasil celebra tratado de
direitos humanos, nesse ano o Brasil incorporou meia dúzia de
tratados de direitos humanos. Nesse questão havia a situação do
depositário infiel.
Daí
veio a decisão STF HC 72.131/RJ de 23/11/1995. Aqui foi rejeitado a
Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, a qual prevê a
proibição da prisão do devedor. O tratado foi afastado devido a
prevalência da regra interna especial, e também foi invocado foi a
prevalência da CF que prevê, no seu artigo 5°, LXII, a prisão
civil por dívida em caso de inadimplemento voluntário e inescusável
da obrigação alimentícia e a do depositário infiel. Essa situação perdurou até o julgamento do RE 46.6343-1 de
SP de 22/11/2006 jugado em 2008.
Entre
1995, 2006, 2008 havia duas correntes no STF, que toda questão do
depositário infiel era de saber onde situava os tratados
internacionais de Direitos humanos, mais especificamente a Convenção
Americana e o Pacto de Nova Iorque. Eles estavam equiparados a uma
lei ordinária, abaixo ou no mesmo plano da Constituição Federal?
A
discussão no STF, a simples leitura da Constituição art. 5, §2º
determina que todos os tratados em que o Brasil seja parte
aglutina-se ao direitos fundamentais no artigo 5º. Segundo Gilmar
Mendes, na Constituição Federal existe um lugar reservado para os
tratados acima da Lei Ordinária e abaixo da Constituição, é a
tese da supralegalidade dos tratados de Direitos Humanos. Em 2008 o
STF vai consagrar essa teses e hoje se tem a ideia que os tratados
internacionais de Direitos humanos, todos eles, incorporados ao
ordenamento brasileiro gozam de uma superioridade hierárquica acima
das leis e abaixo da Constituição Federal.
Qual
a situação hoje na aplicação dos tratados internacionais no
Brasil? ela decorre do processo de incorporação, e feito isso está
entregue à interpretação do STF. Os que não cuidam de Direitos
Humanos equivalem à Lei Ordinária; os de Direitos Humanos gozam de
supralegalidade, lembrando que essa dicotomia não encontra
fundamentação no direito internacional. Mas
o que conta para o Direito Internacional é que, seja qual for o
compromisso internacional os tratados de Direitos Humanos gozam de um
status específico consagrado na Convenção de Viena de 1969.
6.2. O regime específico previsto pelo art. 5, §3º da Constituição Federal Brasileira
O
art. 5, §3º da CF, esse dispositivo foi motivado pela vontade de
resolver uma celeuma sobre aonde posicionar os tratados
internacionais de Direitos humanos no ordenamento jurídico
brasileiro.
A
processualista oferecida pelo art. 5, §3º prevê que os tratados e
convenções internacionais sobre Direitos humanos que forem
aprovados em 2 turnos por 3/5 serão equivalentes às emendas
constitucionais. Quando esse quorum é alcançado o tratado
internacional sancionado pelo Presidente da República fica
equiparado à Constituição Federal.
A
questão que se coloca a partir de 2004 é, o que acontece com todos
os tratados de direitos humanos que não foram aprovados pela maioria
qualificada de 3/5? eles não teriam valor constitucional?
Abordamos
as diferenças de posicionamentos dos tratados internacionais como um
todo, vimos que, por um lado no STF tem a paridade normativa; nós
temos os tratados internacionais supralegais, e agora temos a nova
categoria que são os tratados internacionais de Direitos humanos com
valor hierárquico constitucional. Isso mostra uma discriminação
entre os tratados de Direitos humanos, mas como aceitar que um possa
prevalecer sobre o outro? na ânsia de resolver uma celeuma o
constituinte derivado constituiu uma nova confusão.
Existem
outras manifestações da supralegalidade no direito brasileiro, uma
que não consta da Constituição, mas sim do Código de Tributação
Nacional (CTN), o art. 98 por exemplo prevê que o tratado
internacionais de cunho tributário prevalece sobre o direito
interno.
O
novo Código de Processo Civil prevê a prevalência de convenções
internacionais sobre o direito interno, art. 13 e art 24.
Art. 13. A
jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras,
ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados,
convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte.
Art. 24. A
ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz
litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária
brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas,
ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais
e acordos bilaterais em vigor no Brasil.
__________________________________________
- Referência
Aula Direito Internacional Público, Profº Jahyr-Philippe Bichara, com anotações de Régia Carvalho, Abril/2015, UFRN
Bons estudos!
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