(Fichamento Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, 2011)
1. Responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito público
- Generalidades sobre a responsabilidade estatal
Obedecendo
às condições políticas de épocas passadas, prevaleceu na
metade
do Século XIX a afirmação da irresponsabilidade do Estado e de
suas entidades pelos atos praticados por seus agentes, bem descrita
pelas
universais expressões the king can do not wrong e le roi ne
peut mal faire.
… O ressarcimento pelo prejuízo resultante de
eventual
ato lesivo deveria ser obtido junto aos próprios
servidores do Poder
Público.
Alteradas
as diretrizes políticas, surge a doutrina da responsabilidade
estatal no caso de ação culposa de seu agente, inaugurando uma
fase
privatista ou civilista na compreensão da responsabilidade do
Estado,
impondo-se à vítima a comprovação da culpa ou dolo do
agente público
pelo dano causado.
Mais
adiante, evolui o tratamento jurídico da matéria, admitida a
responsabilização estatal independente da identificação do agente
causador do
prejuízo, bastando ao ofendido demonstrar o mau
funcionamento do serviço
público. Era a chamada culpa anônima ou
falta do serviço, caracterizada pela
inexistência de serviço, mau
funcionamento dele ou simples retardamento
na sua prestação.
Não
era
crível pudesse a responsabilidade estatal estar submetida ao
elemento anímico (a culpa), o que impunha considerável dificuldade
ao ofendido para
reclamar seus direitos. Surge, assim, a teoria da
responsabilidade objetiva do
estado, dispensada a prova da sua
culpa, submetida ao próprio risco da
atividade administrativa, que
deve ser suportado por quem a exerce.
A
partir disso, o prejudicado não precisa provar a culpa – em
sentido
amplo – do agente público que causou o dano, bastando
provar a conduta,
o dano e o nexo causal entre um e outro.
...
Enfim, ainda que sua conduta seja lícita, poderá a Administração
ser responsabilizada, se causou dano a terceiro, por conta do
acolhimento da
teoria do risco.
Exatamente
por isso, o Estado somente poderá ser exonerado da responsabilidade
imputada se provar a ocorrência de conduta exclusiva da vítima,
fato de terceiro ou, ainda, caso fortuito ou força maior.
Nem
mesmo a ocorrência de culpa concorrente com terceiro exonera
a
responsabilidade civil do Poder Público. Neste caso, haverá
responsabilização de ambos, proporcional à conduta de cada um.
Nesse mesmo caminho, a conduta concorrente da vítima também não
exonera a responsabilidade estatal, apenas autorizando a redução
proporcional do quantum indenizatório. (…)
Aliás,
o próprio Código Civil, em seu comando 945, reza que, “se a
vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa
em confronto com a do autor do dano”.
Há
possibilidade de o lesado acionar o Estado, até mesmo se o servidor
público veio a ser absolvido em esfera criminal, em face do
princípio
da independência do juízo civil em relação ao penal.
- A extensão da responsabilidade objetiva do Estado na Constituição da República
O
art. 37, § 6º da Magna Carta estabelece a responsabilidade objetiva
das pessoas jurídicas de direito público, trazendo algumas
importantes
inovações.
Primus,
foi substituída a expressão funcionário público por agente
público, que é mais ampla, abrangendo todos os que colaboram para o
funcionamento do serviço público,
(…) Secundus, foi ampliada a
responsabilidade objetiva para alcançar também as pessoas jurídicas
de direito privado prestadoras de serviço público,
através de
concessão e permissão de serviço público, atingindo, agora, todo
e qualquer particular que esteja no exercício de atribuição
pública.
- A responsabilidade objetiva do Estado e as condutas omissivas
Trata-se
de definir o alcance da responsabilidade objetiva do Estado,
estabelecendo se a responsabilização do Estado é
objetiva
(independendo da culpa) para as condutas comissivas e omissivas
do
Poder Público ou se, diferentemente, ficaria restrita às condutas
comissivas, impondo ao particular ofendido provar a culpa do Poder
Público
pelos prejuízos decorrentes de condutas omissivas.
A
atividade administrativa aludida no dispositivo constitucional (art.
37, § 6o) abarca tanto as
condutas comissivas, quanto as condutas
omissivas, ao contrário do que sustentam alguns administrativistas.
Deve o particular, então, demonstrar que a omissão estatal foi o
fato deflagrador do dano causado (estabelecendo, assim, o
imprescindível nexo de causalidade). Não é, pois,
qualquer
omissão estatal que gera o dever de indenizar. Somente aquelas a
partir das quais decorre o próprio evento lesivo.
É
preciso
perceber, a partir de simples análise da teoria da
responsabilidade civil, que,
além da conduta omissiva estatal,
devem estar presentes os demais pressupostos do dever de indenizar,
quais sejam, dano e nexo de causalidade,
exigindo-se que o prejuízo
sofrido pela vítima (patrimonial ou moral) seja
decorrente de
conduta omissiva direta e imediata do Poder Público, como
se
depreende da simples leitura do art. 403 do Código Civil.
Em
reforço, vale sublinhar que a solução que melhor reverencia o
Texto Constitucional é no sentido de reconhecer a responsabilidade
objetiva
do Estado para as condutas comissivas e também para as
condutas
omissivas. Não para qualquer tipo de omissão, mas, tão
só, para as omissões
específicas, quando houver “falta ou
imperfeição no dever de agir imposto
pela lei ou pelas
circunstâncias do caso concreto, não havendo que se falar
em
responsabilidade civil nos casos de omissão genérica, em que
inexiste individualizado dever de agir da Administração, igualmente
apurável levando-
se em consideração os ditames legais ou as
circunstâncias do evento
danoso”, como explica Luiz Paulo Vieira
de Carvalho
.
- Direito de regresso do Estado e a questão da denunciação da lide ao agente público causador do dano
De
logo, é importante afirmar, sem qualquer dúvida, a possibilidade
de
a Administração Pública exercer o regresso, ressarcindo-se do
prejuízo causado pelo seu agente. Perceba-se que, nesse caso
(exercício de regresso pelo
Estado), a responsabilidade do agente é
subjetiva, devendo o Poder Público,
necessariamente, comprovar a
culpa do seu servidor para que possa vir a ser
reembolsado da
quantia dispendida.
Art.
43, CC:
“As pessoas jurídicas de direito público interno são
civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa
qualidade causem danos
a terceiros, ressalvado direito regressivo
contra os causadores do dano, se
houver, por parte destes, culpa ou
dolo.”
O
direito de regresso do Poder Público em relação ao seu agente
causador do dano não obsta o eventual exercício de ação por ato
de improbidade administrativa (disciplinada na Lei no 8.429/92 –
Lei de Improbidade
Administrativa, também conhecida como Lei do
Colarinho Branco).
(…) Trata-se
de ação direta contra o agente
público que causou prejuízo ao patrimônio
público ou social,
enriqueceu indevidamente ou violou os princípios constitucionais da
Administração Pública
.
Entendemos,
demais disso, que deverá o ofendido (vítima do evento
danoso)
aforar a sua ação reparatória contra o Poder Público, não
podendo
dirigir-se diretamente contra o agente público, nem,
tampouco, formar um
litisconsórcio entre o Estado e o seu agente.
Trata-se,
assim, de simples técnica de ponderação dos interesses em
conflito: se o ofendido funda o seu pedido reparatório na teoria do
risco, sem
discutir a culpa, não será tolerável a denunciação
da lide, sob pena de ampliação indevida do objeto do processo;
entretanto, se a própria vítima já
sustenta o pedido
indenizatório na conduta culposa do agente, não há motivo
para
obstar a denunciação da lide (CPC, art. 70), que em nada lhe
prejudicará.
De
qualquer sorte, convém destacar que o Estado não é obrigado a
denunciar da lide ao seu agente, podendo exercer o seu direito de
regresso
autonomamente, através de ação própria, posterior à
sua condenação
- Prescrição
Com
o advento do Código Civil de 2002, o art. 206, § 3º, V, da Lei
Civil traz regra específica
sobre a matéria, servindo de cláusula
geral acerca da prescrição das pretensões indenizatórias,
assinalando o prazo de três anos. Assim, averbe-se
que a
responsabilidade civil do Estado estará sujeita ao prazo
prescricional
genérico, devendo a ação de reparação dos danos
contra o Poder Público
ser ajuizada no prazo de três anos,
contados do surgimento da pretensão (o
que se consubstancia no
momento em que se torna viável, possível, requerer em juízo a
pretensão descumprida).
Não
se olvide, por outro turno, que, de conformidade com o próprio
Texto Constitucional (art. 37, § 5o), o direito de regresso do Poder
Público
contra o seu servidor é imprescritível, não se
submetendo a qualquer prazo
extintivo. Registre-se, de qualquer
maneira, que a imprescritibilidade diz respeito, apenas, às
pretensões decorrentes de condutas ilícitas.
- Atos de multidões
Caracterizado
o prejuízo sofrido por particular em razão de atos de
multidões,
questionam-se, naturalmente, as latitudes da responsabilidade
estatal.
De
regra, não há responsabilidade estatal, por se tratar de fato
tipicamente de terceiro, rompendo o nexo causal. Porém, não se pode
olvidar que
em casos de conduta omissiva do estado em relação às
aglomerações de
pessoas, será intuitiva a sua responsabilização
civil.
2. Responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito privado
Ao
revés das pessoas jurídicas de direito público, as pessoas
jurídicas
de direito privado submetem-se ao regime da
responsabilidade subjetiva,
sendo mister que a vítima, além de
provar a conduta da empresa, o dano sofrido e o nexo de causalidade
entre a conduta e o prejuízo, demonstre,
ainda, a culpa de seu
agente, sócio ou preposto. Enfim, submetem-se as
pessoas jurídicas
de direito privado à regra geral de nosso Direito Civil, esculpida
nos arts. 186 e 927, caput, respondendo subjetivamente, provada a
sua culpa.
É
importante salientar que será objetiva – independendo de
comprovação da culpa – a responsabilidade civil das pessoas
jurídicas de direito
privado por danos causados em relações de
consumo (CDC, arts. 12 e 18),
ao meio ambiente (Lei no 6.938/81), em
contratos de transporte em geral
(CC, arts. 734 a 742) e de
transporte aéreo (Lei no 7.565/86 – Código
Brasileiro de
Aeronáutica), bem como será objetiva, como visto anteriormente, a
responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestador
as de serviço público (CF, art. 37, § 6o), como as empresas de
transporte coletivo e as emissoras de rádio e televisão.
Esclareça-se,
demais de tudo isso, que a pessoa jurídica responde por
danos
contratuais e extracontratuais causados a terceiros.
Extracontratualmente, inclusive, responde a pessoa jurídica por
prejuízos ocasionados por
conta de sua atividade empresarial e da
confiança depositada por todos no
perfeito funcionamento de suas
atividades. É o princípio da boa-fé objetiva.
Súmula
130 do STJ: “a empresa responde,
perante o cliente, pela reparação
de dano ou furto de veículo ocorridos em seu
estacionamento”,
Responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Inovando
em relação às Cartas anteriores, estabelece o Texto Constitucional
de 1988, no art. 225, § 3º, que as condutas e atividades lesivas ao
meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas a sanções
penais e administrativas, independentemente
da obrigação de reparar os
danos causados.
Assim,
considerando a participação cada vez maior das pessoas
jurídicas
na vida negocial, sendo utilizada, não raro, para finalidades
ilícitas,
e nas sendas da Carta Magna, apesar de controvérsias
doutrinárias, foi estabelecida, em sede infraconstitucional,
previsão legal de responsabilização penal das pessoas jurídicas,
em conformidade com o art. 3º da Lei
nº 9.605/98, que tipifica
delitos contra o meio ambiente.
Vale
salientar que a responsabilidade penal das pessoas jurídicas nestes
casos não exclui a das pessoas naturais que, eventualmente,
participem do
fato delitógeno como autores, coautores ou
partícipes.
Naturalmente,
da possibilidade de responsabilização penal da pessoa
jurídica
haverá de decorrer sua legitimidade para a impetração de mandado
de segurança (também cabível em sede criminal), em razão da
impossibilidade de se lhe reconhecer legitimidade para o habeas
corpus.
_______________________________________________________________ - Referência
-
FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Marcelo. Direito Civil Teoria
Geral. Capítulo V - a pessoa jurídica, págs. 460-480. 9ªed. Editora
Lumen Jures, Rio de Janeiro: 2011.(Fichamento)
Bons estudos!
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