Fichamento
Flávio Tartuce
Manual de Direito Civil
pág. 67 a 85
2013.
2.2 PARTE GERAL DO CÓDIGO CIVIL 2002. DA PESSOA NATURAL
2.2.1 Conceitos iniciais. A capacidade e conceitos correlatos
O art. 1º do CC/2002 inaugura que "Toda pessoa é capaz de direitos e
deveres na ordem civil". Três constatações podem ser retiradas do
comando legal.
A primeira é que o artigo não faz menção a homem, como constava no art.
2º do Código Civil, adaptando-se à Constituição Federal, que consagra a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III).
A segunda constatação diz respeito à menção a deveres e não obrigações;
isto porque existem deveres que não são obrigacionais.
Terceira, ao mencionar a pessoa na ordem civil, há um sentido de socialidade, como empregava Miguel Reale.
A norma em questão trata da capacidade de direito ou de gozo, que é
aquela para ser sujeito de direitos e deveres na ordem privada, e que
todas as pessoas têm sem distinção.
É notório que existe ainda uma outra capacidade, aquela para exercer
direitos, denominada capacidade de fato ou de exercício, e que algumas
pessoas não têm.
Fórmula da questão da capacidade da pessoa natural:
CAPACIDADE DE DIREITO (GOZO) + CAPACIDADE DE FATO (EXERCÍCIO) = CAPACIDADE CIVIL PLENA
Repise-se que todas as pessoas têm a primeira capacidade, o que
pressupõe a segunda, em regra, uma vez que a incapacidade é exceção.
Conceitos correlatos à capacidade da pessoa natural:
a) Legitimação - capacidade especial para determinado ato ou negócio
jurídico. Exemplo: Necessidade da outorga conjugal para vender imóvel,
sob pena de anulabilidade do contrato.
b) Legitimidade - é a capacidade processual, uma das condições da ação (art. 3º, CPC).
c) Personalidade - é a soma de caracteres da pessoa, ou seja, aquilo que ela é para si e para a sociedade.
2.2.2 O início da personalidade civil. A situação jurídica do nascituro
Enuncia o art. 2º do atual Código Civil que "A personalidade civil da
pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro".
O nascituro é aquele que foi concebido, mas ainda não nasceu. A tese da
professora Titular da USP Silmara Juny Chinellato é de que a proteção
referente ao nascituro abrange também o embrião pré-implantatório in vitro
ou crioconservado. Todavia, a questão não é pacífica, há corrente
liderada por Maria Helena Diniz que deduz que o embrião não está
abrangido pelo art. 2º do CC/2002, uma vez que diferencia-se do
nascituro por ter vida extrauterina.
Mas a maior controvérsia existente é a referente à personalidade civil
do nascituro, uma vez que o art. 2º do CC/2002 continua colocando em
colisão as teorias natalista e concepcionista.
a) Teoria natalista
Prevalecia entre autores modernos ou clássicos do Direito Civil
Brasileiro, para quem o nascituro não poderia ser considerado pessoa,
pois o Código Civil exigia e ainda exige o nascimento com vida. Assim o
nascituro teria mera expectativa de direitos. Os autores partes de uma
interpretação literal e simplificada da lei, o que traz a conclusão de
que o nascituro não é pessoa.
Se o nascituro não tem personalidade, não é pessoa; desse modo, o
nascituro seria uma coisa? A teoria natalista está totalmente distante
do surgimento das novas técnicas de reprodução assistida e de proteção
dos direitos do embrião, e de uma proteção ampla de direitos da
personalidade.
Do ponto de vista prático, a teoria natalista nega ao nascituro até
mesmo os seus direitos fundamentais, relacionados como a sua
personalidade, caso do direito à vida, à investigação de paternidade,
aos alimentos, ao nome e até à imagem. Essa negativa de direitos é mais
um argumento forte para sustentar a total superação dessa corrente
doutrinária.
b) Teoria da personalidade condicional
É aquela pela qual a personalidade civil começa com o nascimento com
vida, mas os direitos do nascituro estão sujeitos a uma condição
suspensiva, ou seja, são direitos eventuais (pág. 71). No caso a
condição é justamente o nascimento daquele que foi concebido. Fundamento
no art. 130 do CC/2002 (Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos
casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido praticar os atos
destinados a conservá-lo).
O
grande problema da corrente doutrinária é que ela é apegada a questões
patrimoniais, não respondendo ao apelo de direitos pessoais ou da
personalidade a favor do nascituro. Essa linha de entendimento acaba
reconhecendo que o nascituro não tem direitos efetivos, mas apenas
direitos eventuais sob condição suspensiva, ou seja, também mera
expectativa de direitos.
c) Teoria concepcionista
Sustenta que o nascituro é pessoa humana, tendo direitos resguardados
pela lei. O Mestre Álvaro Villaça Azevedo também expõe que o correto é
sustentar que a personalidade é adquirida desde a concepção.
Consigne-se que a conclusão pela corrente concepcionista consta do
Enunciado n. 1, do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), aprovado na I jornada de Direito Civil,
e que também enuncia direitos ao natimorto, cujo teor segue: "Art. 2º A
proteção que o Código defere ao nascituro alcança também o natimorto no
que concerne aos direitos da personalidade, tais como nome, imagem e
sepultura".
A teoria concepcionista é aquela que prevalece entre os doutrinadores contemporâneos do Direito Civil Brasileiro.
Maria Helena Diniz classifica a personalidade jurídica em formal e material, a saber:
- personalidade jurídica formal - é aquela relacionada com os direitos
da personalidade, o que o nascituro já tem desde a concepção.
- personalidade jurídica material - mantém relação com os direitos
patrimoniais, e o nascituro só adquire com o nascimento com vida.
O debate das teorias ganhou reforço com a entrada em vigor no Brasil da Lei 11.804/2008, conhecida como Lei dos Alimentos Gravídicos, disciplinando o direito de alimentos da mulher gestante.
A Lei 11.105/2005, conhecida como Lei de Biossegurança, tutela a integridade física do embrião, reforçando a teoria concepcionista.
O Art. 5º autoriza a utilização de células-tronco embrionárias para
fins científicos e terapêuticos, desde que os embriões sejam
considerados como inviáveis.
2.2.3 Os incapazes no Código Civil de 2002
Estão tratados nos art. 3º e 4º do CC/2002, conforme a seguir:
Absolutamente incapazes | Relativamente incapazes |
* Menores de 16 anos (menores impúberes) | * Os maiores de 16 e menores de 18 anos (menores púberes) |
* Os ébrios habituais, os viciados em tóxicos | |
* Aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade | |
* Os pródigos |
A respeito dos absolutamente incapazes, devem eles ser representados
sob pena de nulidade absoluta do ato praticado (art. 166, I, do CC).
Quanto aos relativamente incapazes, o instituto de suprimento é a
assistência, sob pena de anulabilidade do negócio (art. 171, I).
Para os menores incapazes há a tutela; para os maiores incapazes, a curatela.
2.2.3.1 Dos absolutamente incapazes
a) Os menores de 16 anos - menores impúberes
Leva-se em conta o processo etário, não havendo necessidade de qualquer
processo de interdição (presunção absoluta de incapacidade).
Eventualmente o ato praticado pelo menor absolutamente incapaz pode
gerar efeitos. Teor doutrinário do Enunciado n. 138 CJF/STJ, aprovado na
III Jornada de Direito Civil: "A vontade dos absolutamente
incapazes, na hipótese do inc. I do art. 3º, é juridicamente relevante
na concretização de situações existenciais a eles concernentes, desde
que demonstrem discernimento bastante para tanto". Ilustrando, um
contrato celebrado por menor impúbere, de compra de um determinado bem
de consumo, pode ser reputado válido, principalmente se houver boa-fé
dos envolvidos. A vontade dos menores nessas condições é relevante para
os casos envolvendo adoção e a guarda de filhos, cabendo a sua oitiva
para expressarem sua opinião. (pág. 79).
2.2.3.2 Dos relativamente incapazes
a) Maiores de 16 anos e menores de 18 anos - menores púberes
A redução da maioridade civil, de 21 para 18 anos não atingiu a questão
dos benefícios previdenciários dos filhos de dependentes até os 21
anos, conforme consta do Enunciado n. 3, da I Jornada de Direito Civil:
"A redução do limite etário para a definição da capacidade civil aos 18
anos não altera o disposto no art. 16, I, da Lei n. 8.213/91, que regula
específica situação de dependência econômica para fins previdenciários e
outras situações similares de proteção, previstas em legislação
especial".
Atos e negócios
que relativamente incapazes podem praticar, sem assistência: casar,
necessita apenas de autorização dos pais ou representante; elaborar
testamento; servir como testemunha de atos e negócios jurídicos;
requerer registro do seu nascimento; ser empresário, com autorização; se
eleitor; ser mandatário ad negotia.
b) Os ébrios habituais (aqueles que têm a embriaguez como hábito, no
sentido de serem alcoólatras), os toxicômanos (viciados em tóxicos).
Em todos os casos haverá necessidade de um processo de interdição
relativa, não se presumindo tais incapacidades.
c) Pessoas que, mesmo por causa transitória ou permanente, não puderam exprimir sua vontade.
Expressão ampla que aumenta as hipóteses de incapacidade absoluta.
Inclui as pessoas que perderam a memória, as que estão em coma. Ébrios
habituais e os viciados em tóxicos, são considerados relativamente
incapazes, em regra.
d) Os pródigos
São os que dissipam de forma desordenada e desregrada os seus bens ou patrimônio. Devem ser interditados, nomeando curador.
Todavia, poderá o pródigo exercer atos que não envolvam a administração direta de seus bens, como se casar.
Quanto aos silvícolas, o CC não os considera mais como incapazes, a
situação é regida pela Lei 6.001/1973, Estatuto do índio, que coloca o
silvícola e sua comunidade, enquanto não integrados à comunhão nacional,
sob o regime tutelar, devendo a assistência ser exercida pela FUNAI.
2.2.4 A emancipação
Pode ser conceituada como sendo o ato jurídico que antecipa os efeitos
da aquisição da maioridade e da consequente capacidade civil plena, para
data anterior àquela em que o menor atinge a idade de 18 anos, para
fins civis.
A
emancipação, regra geral, é definitiva, irretratável e irrevogável. Mas
é possível a sua anulação por erro ou dolo, por exemplo.
A emancipação poderá ocorrer nas seguintes situações (art. 5º, §ú) - rol taxativo:
a) Emancipação voluntária parental - por concessão de ambos os pais ou
de um deles na falta do outro. Não necessita homologação perante o juiz,
é concedida por instrumento público e registrada em Cartório de
Registro Civil das Pessoas Naturais. O menor deve ter, no mínimo, 16
anos completos.
b) Emancipação judicial - por sentença do juiz, em casos que um dos
pais não concorda com a emancipação, contrariando a vontade do outro,
por exemplo. registrada em Cartório de Registro Civil das Pessoas
Naturais sob pena de não produzir efeitos.
c) Emancipação legal patrimonial - pelo casamento do menor. A idade
núbil é de 16 anos (art. 1.517 do CC). O divórcio, a viuvez e a anulação
do casamento não implicam no retorno à incapacidade.
d) Emancipação legal, por exercício de emprego público efetivo -
segundo a doutrina deve-se incluir todos os casos envolvendo cargos ou
empregos públicos, desde que haja a nomeação de forma definitiva.
e) Emancipação legal, por colação de grau em curso de ensino superior
reconhecido - a presente situação torna-se cada vez mais difícil de
ocorrer na prática.
f) Emancipação legal, por estabelecimento civil ou comercial ou pela
existência de relação de emprego, obtendo o menor as suas economias
próprias, visando a sua subsistência - Necessário menor com pelo menos
16 anos. Economia própria significa receber um salário mínimo. Não houve
revogação das normas trabalhistas relativas ao empregado menor
notadamente do art. 439 da CLT.
Continua sendo possível a emancipação legal do menor militar, que
possui 17 anos e esteja prestando tal serviço, nos termos do art. 73 da
Lei 4.375/1964.
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Bons estudos!
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