sábado, 2 de agosto de 2014

Publicização, Globalização e a Crise do Direito do Trabalho, Flexibilização e Desregulamentação


VÓLIA BOMFIM CASSAR¹

Fichamento


1. Publicização do Direito

"O nascimento do Direito do Trabalho se deu em meados do século XIX por meio dos movimentos operários, dessa forma conferiu-se um caráter público às relações de esfera privada. O welfare teve origem na sociedade civil com pretensão universalista. O Estado veio intervir na relação contratual para proteger a parte hipossuficiente".

"Na publicização do direito privado, o Estado toma para si a gestão das principais regras que eram delegadas ao arbítrio de particulares. O Direito do Trabalho implantou um sentimento de justiça, já que buscou compensar a parte hipossuficiente da relação jurídica, mediante regulação legal".

"O Walfare State representa o direito que tem toda pessoa de ser protegida contra abusos do poder econômico (...) Como consequência, as relações sociais passa a ser regidas por instituições políticas democráticas - Estado".


2. Globalização e a Crise do Direito do Trabalho

"A globalização é parte de um todo formado pelo neoliberalismo, privatizações, multinacionais, dentre outros elementos que concernem à estrutura e atribuições do Estado e de sua organização política, suas relações internacionais e à ordem socioeconômica nacional e mundial".

 "A competição entre potências sempre marcou a história, e delas podemos tirar algumas lições: 1) a união do capital privado com o poder político serviu como fator decisivo para a origem do sistema capitalista; 2) a consequência desta união foi a “extraterritorialidade” do poder dos Estados, que passaram a competir entre si, na busca de mais poder e concentração de riqueza; 3) esta disputa acabou por formar alianças fortes entre príncipes, mercadores e banqueiros"

."Essas transformações no processo de trabalho e da economia geram consequências lógicas, sentidas por todos: desigualdade social, política, cultural, religiosa, racial etc.; nações desnacionalizadas, subordinadas aos ditames dos países ricos; países mais pobres e crescimento do desemprego".

"Através da reação e da resistência dos mercados nacionais e dos Estados periféricos ao impulso das grandes potências, surgiu a globalização do capitalismo. Apenas aqueles Estados que souberam resistir e aproveitar destas potências ao mesmo tempo, tiveram sucesso econômico-político. Esse processo de polarização da riqueza se deu com muita velocidade e intensidade, aumentando o contraste social".

"Como reação nasce a crise filosófica que questiona os fundamentos em que se baseia o modelo do bem-estar social do trabalhador. O excesso de proteção ao trabalhador torna-se alvo de dúvidas".

"Diante destas crises, afirmam os neoliberais que poderá haver uma revisão das garantias mínimas, devendo o Estado enxugá-las. Todavia, as consequências da minimização do Estado onde de fato foi aplicado o welfare são incomparáveis com aquelas de Estados em que nunca houve um Estado Social, como é o caso do Brasil".

"Na verdade, a globalização que nos é oferecida não vem acompanhada de um comportamento liberal ou neoliberal dos países centrais, já que impõem barreiras monetárias e alfandegárias. A alta proteção trabalhista e a visão do bem-estar social praticados na era da administração econômica nacional ocasionam sociedades ocidentais não competitivas em relação às economias industrializadas e, por isso, alguns defendem que tais direitos devem ser drasticamente reduzidos, diminuindo os gastos, possibilitando melhor competitividade no mercado. “Esse processo leva ao fenômeno da desregulamentação, variante menor de propostas de desconstitucionalização”

"Este fenômeno influencia não só a flexibilidade das leis, a redução de direitos trabalhistas, mas também o comportamento político."

"A desregulamentação desmedida e a minimização dos direitos enfraquecem o Estado, único agente capaz de, através de políticas públicas, erradicar as desigualdades sociais que se avolumam em nosso país."

" No Estado Democrático de Direito a lei passa a ser, privilegiadamente, um instrumento de ação concreta do Estado, tendo como método assecuratório de sua efetividade a promoção de determinadas ações pretendidas pela ordem jurídica."

"A sociedade precisa se conscientizar de seus direitos e exigir a aplicação daquelas regras e princípios estampados expressamente na Constituição, fazendo-se efetivar o bem-estar social e a democracia. Todos nós devemos resistir às manobras aparentemente atrativas da globalização neoliberal, à exploração do homem e, impedir o retrocesso de direitos duramente conquistados."

"O Direito do Trabalho reflete todo o pioneirismo do papel ativo do Estado priorizando o bem-estar social dos trabalhadores, intervindo nas relações privadas para pacificação das lutas de classes, tornando um direito, até então privado e individualista, em um direito voltado para o bem-estar social mínimo garantido aos trabalhadores, já que impõe regras básicas para o contrato de trabalho, dando uma feição de direito público a um direito privado, daí a publicização do direito".

"Hoje o Direito do Trabalho vive uma fase de transição, onde se questiona o paternalismo estatal, a intervenção estatal em regras privadas. Alguns pretendem a total desregulamentação, isto é, a ausência total, a abstinência estatal nas relações de trabalho, deixando o contrato de trabalho livre e à mercê das regras do mercado, sob o argumento de que o modelo que inspirou o welfare não existe mais, que os trabalhadores atuais são mais conscientes, mais maduros e menos explorados."

"Outros, apesar de reconhecerem alguma mudança no Direito do Trabalho, percebem também que o Brasil ainda não pode ser visto como país que efetivou o welfare (o bem-estar social), pois ainda temos trabalho escravo ou, em condição análoga; exploração do trabalho do menor; condições sub-humanas de trabalho e legislação trabalhista ainda muito desrespeitada. Por isso, não se pode defender o total afastamento do Estado desta relação privada, não se pode pretender a privatização dos direitos trabalhistas, o retrocesso de um grande avanço conquistado com profundo sacrifício."

"Não se discute que o processo de globalização vem de fato modificando as relações de trabalho, fazendo com que seja necessária uma revisão do Direito do Trabalho. Mas isto não quer dizer sua total desregulamentação."

"Em relação ao confronto travado entre a necessidade de se manter um Estado social de direito e a crise econômica das empresas, a flexibilização se mostra como melhor meio de composição deste conflito, mas de forma responsável e sem abuso."

"Além da globalização outros fatores contribuem para aumento do desemprego, como o desemprego “estrutural” que ocorre nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento como o Brasil."

" ...pode-se mesmo observar que a tendência entre os doutrinadores é na direção da flexibilização como solução para os conflitos sociais gerados pelo desemprego crescente, sempre de forma responsável, sem abuso e desde que a empresa comprovadamente esteja atravessando grave crise econômica. A flexibilização não pode servir de fundamento para aumentar o lucro ou o enriquecimento dos sócios, mas para a manutenção da saúde da empresa e, consequentemente, do nível de emprego".

"É preciso encontrar a pedra de toque, o limite razoável para a flexibilização, ponderando os princípios conflitantes da dignidade e o da valorização social do trabalhador versus o princípio da preservação e saúde da empresa, devendo prevalecer, em cada caso, um ou outro, de forma a levar a melhor solução para sociedade."


3. Flexibilização e Desregulamentação

"Muitos fatores e crises têm transformado a economia mundial...A partir daí o paradigma buscado passa a ser um modelo de Direito do Trabalho, com regras um pouco mais flexíveis, aberto a mudanças, adaptável à nova situação econômica mundial e de cada empresa".

"Flexibilizar pressupõe a manutenção da intervenção estatal nas relações trabalhistas estabelecendo as condições mínimas de trabalho, sem as quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade (mínimo existencial), mas autorizando, em determinados casos, exceções ou regras menos rígidas, de forma que possibilite a manutenção da empresa e dos empregos."

"Portanto, a flexibilização deve ser um mecanismo utilizado apenas quando os reais interesses entre empregados e empregadores, em cada caso concreto, forem convergentes."

"...Isto significa que a flexibilização das normas trabalhistas não se exaure numa só medida, mas sim na totalidade do fenômeno da flexibilização, que é mais abrangente, compreendendo estratégias políticas, econômicas e sociais, e não apenas jurídicas".

"Maria Lúcia Roboredo esclarece que um dos princípios primordiais da flexibilização é o princípio protetor do Direito do Trabalho, que incentiva o sindicato a atuar como representante dos empregados, para zelar pela classe operária..."

"Outro princípio relevante para as considerações acerca da flexibilização é o da adaptabilidade. Sob esse aspecto, é essencial considerar que as normas trabalhistas visam a atender aos empregados e aos empregadores, o que faz do Estado o ponto de equilíbrio entre esses dois lados." 

"... A flexibilização é um direito do patrão, mas deve ser utilizada com cautela e apenas em caso de real e comprovada necessidade de recuperação da empresa. Daí por que os princípios da razoabilidade, da lealdade, da transparência, da necessidade, devem permear todo o processo, sob a tutela sindical (art. 50, III, da Lei n° 11.101/2000)".

"Os defensores da corrente neoliberalista, sob o argumento de que é o excesso de encargos trabalhistas que dificulta a gestão empresarial e o crescimento econômico, têm insistido na tese de que a negociação coletiva deve prevalecer sobre as correspondentes leis, vulnerando a hierarquia das fontes formais de direito e revogando, pela vontade coletiva dos sindicatos, os direitos arduamente conquistados e constitucionalmente garantidos".

"Defendemos que o Brasil adotou a flexibilização legal e a sindical ou negociada sindicalmente. A primeira (legal) ocorre quando a própria lei prevê as exceções ou autoriza, em certas hipóteses, a redução de direitos. A segunda (sindical ou negociada sindicalmente) acontece quando as normas coletivas autorizam a diminuição de direitos".

"A desregulamentação pressupõe a ausência do Estado (Estado mínimo), revogação de direitos impostos pela lei, retirada total da proteção legislativa, permitindo a livre manifestação de vontade, a autonomia privada para regular a relação de trabalho, seja de forma individual ou coletiva. A flexibilização pressupõe intervenção estatal, mais ou menos intensa, para proteção dos direitos do trabalhador, mesmo que apenas para garantia de direitos básicos. Na flexibilização um núcleo de normas de ordem pública permanece intangível, pois sem estas não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade, sendo fundamental a manutenção do Estado Social".


4. Princípio constitucional da condição mais favorável como limite à flexibilização dos direitos fundamentais do trabalho

"Arnaldo Süssekind esclarece que com a flexibilização os sistemas legais preveem fórmulas opcionais de estipulação de condições de trabalho, ampliando o espaço para a contemplação ou suplementação do ordenamento legal, permitindo a adaptação de normas cogentes às peculiaridades regionais, empresariais ou profissionais e admitindo derrogações de condições anteriormente ajustadas, para adaptá-las a situações conjunturais, métodos de trabalho ou implementação de nova tecnologia, possibilitando a intervenção estatal, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade".

"É a Constituição da República que fixará os princípios fundamentais que embasarão as decisões relativas a conflitos de normas (lato sensu)..."

"A flexibilização é possível e necessária, desde que as normas por ela estabelecidas através da convenção ou do acordo coletivo, como previsto na Constituição, ou na forma que a lei determinar, sejam analisadas sob duplo aspecto: respeito à dignidade do ser humano que trabalha para manutenção do emprego e redução de direitos apenas em casos de comprovada necessidade econômica, quando destinada à sobrevivência da empresa. Não alcançando este objetivo mínimo,conquistado arduamente ao longo da história pelo trabalhador, o acordo ou a convenção coletiva deverão ser considerados inconstitucionais, uma vez que valores maiores são aqueles protegidos pelos direitos fundamentais, afinal, os princípios norteiam a aplicação do direito".

"Ademais, em face das peculiaridades, o Direito do Trabalho não acolheu o sistema piramidal clássico, mas sim o princípio da hierarquia dinâmica das normas. Este sistema irá priorizar não a hierarquia formal da norma, mas o princípio da norma mais favorável ao trabalhador. Deste modo, havendo conflito entre uma norma ordinária menos favorável ao trabalhador e uma convenção coletiva de trabalho mais favorável, esta prevalecerá sobre aquela".

"No âmbito do Direito do Trabalho, a flexibilização apresenta-se como solução à crise econômica vivida pelas empresas que estão à beira da falência, da quebra. Para evitar uma crise social mais grave, com o aumento do desemprego e consequente diminuição do mercado de trabalho a flexibilização responsável, sem abusos e sem a liberdade pretendida pela corrente neoliberal, é a resposta que mais harmoniza com os postulados constitucionais de valoração da dignidade da pessoa humana e como proteção ao princípio fundamental ao trabalho".

"...É imprescindível que, ante o imperativo da eficácia econômica, a flexibilização deve estar atrelada à exigência de uma ética de justiça social, inspirada em uma ordem democrática que conserve o exercício de direitos fundamentais".

"Portanto, a pedra de toque para a limitação do direito de flexibilizar é o não abuso deste direito, isto é, a sua utilização de acordo com o fim social do Direito do Trabalho".


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1 - CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho: Cap. 2 - Importância do Direito do Trabalho na publicização do Direito, globalização, crise do Direito do Trabalho, flexibilização, desregulamentação e limite à flexibilização – 9.a ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

Bons estudos!

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