Régia Carvalho
Elaborado em 08/2013
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1.Obrigações complexas (Boa-fé objetiva)
A
boa-fé
objetiva é
um princípio
fundamental das relações entre
os indivíduos
no Novo
Código Civil, não era previsto no Código Civil de 1916, mas veio
explicitamente nos artigos 113, 187
e 422 do Código Civil de 2002, que
serão comentados mais adiante.
O
princípio da boa-fé, o qual norteou a elaboração do Código Civil
de 2002, divide-se em boa-fé subjetiva e boa-fé objetiva. Não
devem
ser confundidas,
pois a boa-fé
subjetiva está
relaciona
aos aspectos internos do sujeito, aspectos de ordem psicológica; e
a boa-fé
objetiva está ligada a elementos externos, normas de conduta pela
qual o homem deve agir, diretamente relacionada ao comportamento
humano, à
lealdade nas relações.
A
boa-fé objetiva é chamada também de obrigação complexa, pois as
partes além
de guiar
suas condutas de acordo com a lei e o contrato, devem
também
respeitar
alguns
deveres anexos ou laterais.
Conforme
definição do Professor
Doutor Flávio Tartuce1:
"A
boa-fé objetiva, conceituada como sendo exigência de conduta leal
dos contratantes, está relacionada com os deveres anexos ou laterais
de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídico, não
havendo sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial..."
Os
deveres anexos consistem, pois,
em atitudes
das partes para que a relação obrigacional aconteça de forma
respeitosa e harmônica, em equilíbrio e sem prevalência de
vantagens de uma parte em detrimento da outra. Assim, podemos citar
os deveres anexos
como os de
cuidado em relação à outra parte negocial, o de respeito, o de
proteção, o de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio,
o de cooperação ou colaboração, o de lealdade e probidade e o de
agir conforme a
razoabilidade, a equidade e a boa razão.
Os
deveres anexos, portanto, estão implícitos nos negócios jurídicos,
e servem ainda para evitar abusos nas relações negociais.
A boa-fé objetiva é a busca do equilíbrio. Constitui-se, a um só tempo, na estipulação de deveres anexos, implícitos, nos negócios, impondo probidade, honestidade, ética, honradez e informação, mesmo não estando previsto expressamente na declaração negocial, além de limitar o exercício dos direitos subjetivos, evitando o abuso de direito e, finalmente, servindo como fonte de interpretação dos negócios jurídicos.2
Como
afirmado na
citação acima, a boa-fé objetiva serve como fonte de interpretação
dos negócios jurídicos, além disso tem ainda a função de
controle e a função de integração.
1.1.Funções
A
função interpretativa está evidente no art. 113, no qual “os
negócios devem ser interpretados conforme a boa-fé...”,
significa, nas palavra do Prof. Flávio Tartuce3,
que “os contratos devem ser interpretados mais favoravelmente a
quem estiver de boa-fé”. A função de controle, está prevista no
art. 187 : “Também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo
seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”,
portanto, o que viola comete abuso de direito e será
responsabilizado independente
de culpa4.
E por último, a função de integração trazida no art. 422: “Os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do
contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé”, pela aplicação da boa-fé objetiva, deve-se aplicar os
princípios em todas as fases contratuais, antes, durante e depois.
Decorre
da função integrativa que as partes devem ter confiança mútua nas
relações contratuais, devendo agir sempre
conforme
o contrato e a boa-fé objetiva; sendo proibido comportamento
contraditório (venire
contra factum proprium).
“A
vedação de comportamento contraditório obsta que alguém possa
contradizer o seu próprio comportamento, após ter produzido, em
outra pessoa, uma determinada expectativa”5.
2.Exemplificando
Analisando
a súmula 308 do STJ, vemos que “A hipoteca firmada entre a
construtora e o agente financeiro, anterior
ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem
eficácia perante os adquirentes do imóvel”. Acontecia
que a construtora hipotecava o imóvel e não pagava a dívida ao
agente financeiro, a consequência disso seria o agente financeiro
tomar o imóvel; mas com a aplicação do princípio da boa-fé
objetiva nessa súmula veio proteger o terceiro adquirente de
boa-fé.6
Essa situação é um exemplo da aplicação da boa-fé objetiva na
fase contratual.
Em
respeito ao dever de informar, cabe ao profissional da Medicina
orientar amplamente o paciente quanto a todo e qualquer efeito
conhecido previamente do procedimento a ser adotado (a que o paciente
será submetido). “Não ocorrendo a advertência expressa, caberá
reparação do dano causado por violação do dever de informar,
corolário da boa-fé objetiva”7.
3.Jurisprudência
Ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA. CANCELAMENTO DE DESCONTO
EM FOLHA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ALEGAÇÃO DE NÃO
CONTRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE VEROSSIMILHANÇA. TUTELA ANTECIPADA
DESCONSTITUÍDA. Instituição bancária que trouxe aos autos
documentos que, a priori, demonstram a efetiva contratação dos
empréstimos pela autora. Circunstâncias que recomendam seja
privilegiado o princípio da boa-fé objetiva, pelo qual as partes
devem pautar sua conduta tanto na formação como na execução do
contrato. Desconstituição da decisão que concedeu a liminar de
cancelamento dos descontos em folha, relativamente ao contrato
celebrado com o banco agravante, porquanto não se pode aferir a
verossimilhança do direito da demandante. AGRAVO DE INSTRUMENTO
PROVIDO LIMINARMENTE. ART. 557, § 1o-A, DO CPC. (Agravo de
Instrumento No 70055969299,Flores; Décima Segunda Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flôres de Camargo,
Julgado em 13/08/2013). Data de Julgamento: 13/08/2013 ; Publicação:
Diário da Justiça do dia 20/08/2013.
Ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS A EXECUÇÃO. SEGURO DE VIDA. DOENÇA
PREEXISTENTE. COMPROVAÇÃO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1. O artigo 765
do CC, ao regular o pacto de seguro, exige que a conduta dos
contratantes, tanto na celebração quanto na execução do contrato,
seja pautada pela boa-fé. No caso, ao firmar o contrato de seguro, o
de cujus, questionado acerca das suas condições de saúde,
respondeu que estava em perfeitas condições de saúde. Todavia, as
provas constantes dos autos demonstram que o falecido já tinha
conhecimento de doença que o levou a óbito, menos de dois meses
após a pactuação do seguro. 2. Ao omitir a informação quanto à
doença preexistente, o falecido, inobservando a boa-fé contratual,
agravou o risco do contrato, restando afastado, pois, o dever de
indenizar da seguradora, nos termos dos artigos 766 e 768 do CC.
Precedentes. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível No 70055103279,
Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel
Dias Almeida, Julgado em 31/07/2013).
Ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. DOENÇA PREEXISTENTE.
NEGATIVA DA OPERADORA. RISCO OMITIDO. POSSIBILIDADE. OMISSÃO DE
INFORMAÇÃO ESSENCIAL PARA SER AVENÇADO O CONTRATO OBJETO DO
LITÍGIO. TENTATIVA DE BURLAR PRAZO DE CARÊNCIA FIXADO NO PACTO.
JUSTA CAUSA NA RECUSA DA PRESTAÇÃO PRETENDIDA POR PARTE DO PLANO DE
SAÚDE. (Apelação Cível No 70054675004, Quinta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto,
Julgado em 31/07/2013) .
Ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. CONSÓRCIOS. AÇÃO ORDINÁRIA. DANO MORAL. 1.
Confissão quanto a não observância, no momento da contratação,
do dever de informação sobre a exigência de garantias para
liberação do crédito. Além disso, a justificativa para negativa
de liberação da carta de crédito ao consorciado contemplado não
possui amparo no contrato firmado. Abuso da posição contratual.
Afronta ao princípio da boa-fé objetiva. 2. Descumprimento
arbitrário da obrigação contratual. Dano moral configurado.
Precedentes do STJ. 3. Indenização majorada. Observância do grau
de culpabilidade (absoluto descaso com o consorciado) e da robustez
do resultado danoso. 4. Ausente prova da concretização de dano
material (emergente). APELO DA DEMANDADA IMPROVIDO. APELO DA
DEMANDANTE PROVIDO EM PARTE. (Apelação Cível No 70042574558,
Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Judith dos Santos Mottecy,
Julgado em 22/08/2013).
4.Referência bibliográfica
-
FARIAS,
Cristiano Chaves e ROSENVALD,
Nelson. Direito
Civil Teoria Geral,
9ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011.
-
TARTUCE,
Flávio. Manual
de Direito Civil,
volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.
-
TARTUCE,
Flávio. Vídeo-aula
Boa-fé Objetiva. Exibida no sítio:
http://www.youtube.com/watch?v=u-_tRXkFJyk,
acessada em 01/09/2013.
-
Código
Civil de
2002
Artigos
-
REIS,
João
Emílio
de Assis, Boa-fé
objetiva: Historicidade e contornos atuais no direito contratual,
acessado
no site
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8281
em
01/09/2013.
-
USTÁRROZ,
Daniel. As
Origens da Boa Fé Objetiva no Novo Código Civil,
artigo acessado no site
http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud12/origens_boa_fe.htm
em
01/09/2013.
______________________________________
1TARTUCE,
Flávio. Manual
de Direito Civil,
volume único, pág. 502. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2011
2
FARIAS,
Cristiano Chaves e ROSENVALD,
Nelson. Direito
Civil Teoria Geral,
pág. 650, 9ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011
3
TARTUCE,
Flávio. Vídeo-aula Boa-fé Objetiva. Exibida no sítio:
http://www.youtube.com/watch?v=u-_tRXkFJyk,
acessada em 01/09/2013.
4
TARTUCE,
Flávio. Vídeo-aula Boa-fé Objetiva. Exibida no sítio:
http://www.youtube.com/watch?v=u-_tRXkFJyk,
acessada em 01/09/2013.
5
FARIAS,
Cristiano Chaves e ROSENVALD,
Nelson. Direito
Civil Teoria Geral,
pág. 753, 9ª ed. Rio de Janeiro: Ed Lumen Juris, 2011
6
TARTUCE,
Flávio. Vídeo-aula Boa-fé Objetiva. Exibida no sítio:
http://www.youtube.com/watch?v=u-_tRXkFJyk,
acessada em 01/09/2013.
7 FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil Teoria Geral, pág. 218, 9ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011
7 FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil Teoria Geral, pág. 218, 9ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2011
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