Schleiermacher - a universalidade do mal-entendido
Quando Renata for ler o texto ela identificará algumas obscuridades, e Carlos também identificou outras obscuridades. Por que Renata identificou um tipo de obscuridade e Carlos identificou outro tipo? Porque as perspectivas de cada um são diferentes, Renata trabalha com uma a Carlos com outra perspectiva.
Pela perspectiva de Carlos ele vai ressaltar no texto aspectos que considera importante, e Renata ressalta uns e deixa para segundo plano outros aspectos. O sujeito é mais atento para o que lhe chama a atenção a partir da própria perspectiva, consequentemente surgem obscuridades diferentes.
Quanto mais se estuda um texto mais se observa outros aspectos. Às vezes o intérprete dá mais atenção a certa passagem do texto que o autor não achava tão relevante.
Como sair das obscuridades? é considerar todo texto, ser excessivamente reflexivo em todas as passagens do texto. Schleiermacher diz que todo o texto é cheio de obscuridades, essa é a universalidade do equívoco: a integralidade do texto é formada por inúmeros equívocos
Dupla função da linguagem: A linguagem possui a esfera supra-individual e a esfera individual, essas duas esferas estão unidas, uma está dentro da outra na questão do tempo histórico. A linguagem possui a estrutura que é universal. Só que dentro dessa linguagem universal existem apreensões particulares dessa linguagem (Ex.: raiz anglo-saxônica que deu origens às diversos povos e à língua latina). A língua latina tem muitos códigos linguísticos - o inglês, espanhol, português; vejam que já são particularizações do particular. O nosso português não é o mesmo que o de Portugal, o que diferencia? vários motivos. Dentro do próprio Brasil falamos com sotaques diferentes [gírias].
Quanto à linguagem científica, é possível construir um discurso científico puro? sem influência do sujeito? Quando se escreve um texto coloca-se em terceira pessoa, mas no fundo está se escrevendo como se fosse em primeira, pois há influência do sujeito.
Todos os historicistas vão criticar o racionalismo e o iluminismo francês. Quem iniciou esse processo foi Schleiermacher.
Os historicistas vão trabalhar com a ideia de intencionalidade. O grande intuito de Schleiermacher é que é preciso descobrir a intencionalidade do autor, e para isso tem que auferir a perspectiva dele.
Depois da linguagem tem a esfera familiar e a do indivíduo, olhe só, toda vez que uma pessoa conversa com outra sobre alguém, é construído uma imagem desse alguém no pensamento do outro. Na análise do discurso chama isso de Ethos. Essa imagem é construída a partir da linguagem, a esfera individual vai representando todas as influências até lá em cima (plano universal).
Não existe determinismo com relação aos elementos de ordem cultural, toda interpretação é de ordem psicológica. O mais interessante em Schleiermacher é o sistema universal de signos, é um recorte do universal, é uma particularização, cada particularização traz um pedaço do global, e é por isso que o último estágio, que é o século, faz com que necessariamente o sujeito represente o espírito do seu século. É inevitável que, o legislador ao criar um lei mostre o espírito do seu século, a linguagem é diferente do que foi antigamente. É impossível o indivíduo não expressar o seu tempo histórico quando vai se expressar.
Então, parte-se do individuo e vai tentar encontrar nele as influências por meio da técnica-psicológica. E também pode partir do tempo histórico para conhecer o indivíduo.
O mais interessante pela análise histórica é que você pode chegar a uma outra compreensão do direito, para compreender a intencionalidade do texto tem que ir para todos esses argumentos.
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RECORTES: GRONDIN (tradução de Benno Dischiger), Introdução à hermenêutica
Schleiermacher: a universalidade do mal-entendido
Nunca deixou imprimir uma amadurecida apresentação de sua teoria hermenêutica. A eficácia da hermenêutica schleiermachiana remonta inteiramente à edição, providenciada em 1838, por seu discípulo Friedrich Lücke, a partir da herança manuscrita e das lições póstumas de Hermenêutica e crítica com especial referência ao Novo Testamento. No ano de 1805, ele apenas tratava de uma "Hermenêutica sacra".
Fundamentalmente, ele segue a hermenêutica mais antiga, ao esclarecer, no início de sua hermenêutica, que "cada ato de compreensão é a conversão de um ato de falar, enquanto deve chegar à consciência, que espécie de pensamento esteve na base do discurso". Cada discurso repousa sobre um pensamento anterior, então não resta dúvida de que a função básica da compreensão desabrocha, ao reconduzir-se a expressão à vontade de dizer que a anima.
O que se procura entender, é o sentido de um discurso,a expressão de algo pensado. Assim, a compreensão não tem outro objeto além da linguagem. "Tudo o que deve ser pressuposto básico é apenas a linguagem". Pressuposto com sentido arquitetônico. A linguagem pode ser considerada e duas maneiras: a linguagem a ser interpretada é um recorte da totalidade do uso linguístico de uma comunidade dada, segue um costume, por isso é supra-individual. É o lado gramatical da interpretação que se preocupa com esse aspecto. A expressão é o testemunho de uma alma individual. A hermenêutica deve considerar o outro lado da interpretação, ou seja, o mais individual. É a segunda tarefa, a qual conduz a hermenêutica a uma unidade, é a interpretação "técnica" (mais tarde chamada de interpretação de "psicológico"). O intérprete procura entender a arte específica que um autor externou num de seus textos. O que é visado é a compreensão de um espírito, o qual deduz linguagem a partir da alma que a traz à tona.
A hermenêutica de Schleiermacher se bifurca em duas funções (partes): a gramatical e a técnica. A gramatical considera a linguagem a partir da totalidade de seu uso linguístico, a técnico-psicológica a concebe como expressão de um interior.
Distinção entre uma práxis "mais laxa" e outra "mais austera" da interpretação, a primeira, parte do fato de que a compreensão se dá por si mesma e expressa negativamente o objetivo: deve-se evitar o mal-entendido. Orientações para desvendar passagens obscuras. E a segunda, visada por Schleiermacher, que deveria partir do fato, "de que o mal-entendido se dá por si mesmo e que a compreensão deve ser pretendida e buscada em cada ponto".
Nessa distinção anuncia-se a originalidade do princípio hermenêutico de Schleiermacher. Certamente o entender ocorre sem artifícios, isto é, não problemático para si próprio. A visão da hermenêutica tradicional era de que se entende tudo de modo correto até que se tope com uma contradição. Uma hermenêutica só se faz necessária, quando não (mais) se entende. Schleiermacher pressupõe o mal-entendido (o equívoco) com realidade básica. A compreensão só se torna insegura, por já ter sido anteriormente descuidada.
A práxis mais austera é a que Schleiermacher pretende introduzir com sua hermenêutica, com isso ele universaliza a dimensão do mal-entendido. Quando é que se pode afirmar, que se entendeu alguma coisa até o fim? "A não-compreensão não quer nunca dissolver-se totalmente".
Por isso, ele deve estabelecer a operação básica da hermenêutica ou da compreensão como a de uma reconstrução. Para entender um discurso devo poder reconstruí-lo a partir da base e em todas as suas partes. Na compreensão não se trata do sentido que eu insiro num objeto, porém do sentido, a ser reconstruído, do modo como ele se mostra a partir do ponto de vista do autor. (Penetrar profundamente e várias vezes no assunto para conseguir a melhor compreensão).
Ele propôs alguns cânones e regras para a parte gramatical da hermenêutica, mas sempre ciente de que não existem regras para aplicação das próprias regras da hermenêutica. É verdade que ele propôs métodos universais de interpretação, os quais renovavam regra da antiga tradição, como por exemplo a exigência de explicar passagens a partir do seu contexto. Na parte "técnico-psicológico" ele falou da imprescindibilidade da "adivinhação".
Em toda a parte, pressupõe Schleiermacher, que atrás de cada palavra, falada ou escrita, se encontra algo diverso, algo pensado, que constitui propriamente o alvo específico da interpretação. Por isso, isso só pode ser adivinhado. Por esta razão ele deu mais valor à compreensão divinatória.
- Referência
- GRONDIN, Jean - Introdução à hermenêutica filosófica; tradução de Benno Dischiger. São Leopoldo. Ed. UNISINUS, 1999.
- Aula 10/09/2013, Hermenêutica Jurídica, Profº Ronaldo Alencar, com anotações de Régia Carvalho.
Bons estudos!
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