A escola protestante
O fato gerador do rompimento de Lutero com o Catolicismo foi a tradução da bíblia para o Alemão.
Traduzir é passar de um código linguístico para outro. Um código
linguístico nunca vai ser igual a outro. Basicamente traduzir um texto é
tirar a substância de um recipiente e levar para recipiente diverso só
que preservando a essência.
Martin Lutero não fez apenas
traduzir a bíblia, ele a interpretou alterando completamente o sentido,
houve uma modificação no significado tão grande que fundaram outra
igreja.
Um exemplo foi a tradução do termo 'trabalho', para
Agostinho o trabalho era um sacrifício imposto por Deus, quando foi
traduzido para o alemão alteraram o sentido de trabalho para uma
concepção intramudana, não sendo mais concebido como um castigo, mas sim
como forma de glorificação à Deus. Então, enquanto o católico vai
rejeitar o lucro, o protestante vai enaltecer e reaplicar.
Pelo
protestantismo tradicional o sujeito já está salvo ou condenado desde o
início dos tempos, que é confirmado pelas atitudes durante a vida.
Como consequências dessa tradução por Martin Lutero, houve a quebra do
monopólio sobre o conhecimento feito pela igreja, ocorreu a a
vulgarização, a popularização da interpretação e também a
descentralização do poder.
No julgamento de Martin Lutero, ele usa o texto literal da bíblia para contrapor a tradição.
Essa contraposição é típica do método exegético da sola scriptura,
a qual faz a contraposição à tradição. A manutenção do mistério e
principalmente da interpretação quádrupla (de Agostinho) eram o que
sustentava a tradição.
A partir do momento que Martim Lutero contrapõe a tradição, a bíblia passa a servir como evidência. Ele percebeu que as interpretações feita pela tradição católica
justificavam posicionamentos políticos, tornando-se evidente uma
desvirtuação, e por isso tentou contrapor esse desvirtuamento com a
contraposição da bíblia. Tirar a ideia de alegorese e fazer
interpretação puramente exegética.
"O espírito não está além da palavra, mas a sua concretização pela fé"
As passagens obscuras devem ser esclarecidas, analogicamente, por
passagens paralelas (analogia é método integrativo). Não fugir do texto,
a analogia como técnica de interpretação é de origem exegética.
O problema da exegese que traz a falência do próprio método é supor que
só com o texto em si teria como exaurir todos os significados. Por isso
a interpretação foi reestruturada a partir de Flacius.
Um dos grandes pressupostos da exegese: quando a lei é clara não há o que se interpretar.
Martin Lutero queria fazer uma reforma para separar as questões políticas da igreja. (Estado - Igreja)
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RECORTES: GRONDIN (tradução de Benno Dischiger), Introdução à hermenêutica
Lutero: sola scriptura?
Para o primeiro
historiador da hermenêutica, Dilthey, era certo que a ciência
hermenêutica só iniciou como protestantismo. A ação reformadora de
Lutero semeou as premissas de uma revolução hermenêutica. A sua
"hermenêutica" se esgota plenamente na sua interpretação da Sagrada
Escritura. Como professor ele só dava lições exegéticas. Lutero era
avesso à filosofia ou à teorização, que ele equiparava com uma
escolástica vazia. Sua concepção hermenêutica era unicamente o seu
método de exegese das Escrituras.
O seu ponto de partida
era estabelecido pelo princípio reformador da sola scriptura*, que ele
contrapunha à tradição e ao magistério eclesiástico. Esse princípio
representava uma afronta para a Igreja daquela época, esquecida do
texto. Para a Patrística valia o primado da Sagrada Escritura.
Em Agostinho sempre era preciso partir das Escrituras. Opostamente à
tendência alegorisante dos alexandrinos, Agostinho partia da original
compreensibilidade da Sagrada Escritura. A sola scriptura bem
como a clareza fundamental da Escritura já eram pilares hermenêuticos da
Patrística, que Lutero não minimizava. Sua recusa da alegorese e do
quádruplo sentido da Escritura significavam uma renovação provocadora da
mentalidade patrística. Positivamente a rejeição da alegorese por Lutero, sinalizava uma decidida orientação para o sensus literalis*. A intenção de Lutero era que o sentido literal bem entendido já continha um significado espiritual.
O espírito não é um além da palavra espiritualmente dissolvido, ele vem
ao nosso encontro na concretização da palavra pela fé. O conhecido dito
de Lutero, segundo o qual a Escritura seria sui ipsius interpres
(sua própria chave) significa que a palavra, como auto-oferta de Deus,
espera por uma concretização que, no crente, deve resultar em
compreensão da Escritura. A
orientação para a palavra preenche tudo o que a Escritura tem para
revelar. É esta, para o protestantismo, a forma do universalismo
hermenêutico.
O princípio da sola scriptura*, que seja seu próprio intérprete, a doutrina do Verbo, que lhe subjaz, bem como a antecipação da compreensão fundamental da scriptura,
não são descobertas de Lutero. A questão é se elas podem ser
suficientes para a constituição de uma austera teoria da interpretação.
Devido as passagens obscuras Agostinho desenvolveu as orientações
hermenêuticas na Doctrina christiana. Devido a
Sagrada Escritura não sempre clara e compreensível, a Igreja oficial se
apoiara sobre a autoridade da tradição e do magistério eclesiástico. O
apelo protestante para a inspiração do Espírito Santo, ou em Escritura
que em toda parte e univocamente fosse sui ipsius interpres,
repercutia insatisfatoriamente e em parte ingênua, parecia não conter a
arbitrariedade de interpretações opostas. Foi fácil ao Concílio
contra-reformatório de Trento (1546), reforçar a insuficiência
hermenêutica das Escrituras e a necessidade de um recurso à Tradição.
Com argumento de que ser artificial propor uma contradição entre a
Escritura e a Tradição quando ambas brotam do mesmo Espírito Santo.
O
movimento contra reformatório chamou a atenção para o ponto frágil da
hermenêutica do protestantismo primevo, para a total falta de
hermenêutica. O desenvolvimento de uma hermenêutica explícita tornou-se um urgente
desiderata do protestantismo, que conduziu Martin Lutero ao desenvolvimento de uma
hermenêutica científica da Sagrada Escritura. A primeira pessoa que
aduziu uma chave hermenêutica para o esclarecimento das passagens
obscuras da Escritura foi um adepto de Lutero, Matthias Flacius
Illyricus (1520-1575).
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- Referência
- GRONDIN, Jean - Introdução à hermenêutica filosófica; tradução de Benno Dischiger. São Leopoldo. Ed. UNISINUS, 1999.
- Aula 27/08/2013, Hermenêutica Jurídica, Profº Ronaldo Alencar, com anotações de Régia Carvalho
- Leia mais
- Tradução
* Sensus literalis - sentido literal
* Scriptura - escritura
* Doctrina christiana - Doutrina cristã
* Desiderata - desejo, desejado
Bons Estudos!
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