segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Princípios do direito das famílias


MARIA BERENICE DIAS¹


3.1 Princípios constitucionais


     "Os princípios constitucionais - considerados leis das leis - deixaram de servir apenas de orientação ao sistema jurídico infraconstitucional, desprovidos de força normativa. Agora, na expressão de Paulo Lôbo, são conformadores da lei. Tornaram-se imprescindíveis para a aproximação do ideal de justiça, não dispondo exclusivamente de força supletiva. Adquiriram eficácia imediata e aderiram ao sistema positivo, compondo  nova base axiológica e abandonando o estado de virtualidade a que sempre foram relegados".

     "... O princípio da interpretação conforme à Constituição é uma das mais importantes inovações, ao propagar que a lei deve ser interpretada, sempre, a partir da lei maior...".


3.2 Princípios e regras

     "... Acima das regras legais, existem princípios que incorporam as exigências de justiça e de valores éticos que constituem o suporte axiológico, conferindo coerência interna e estrutura harmônia a todo o sistema jurídico...".

     "Os princípios são normas jurídicas que se distinguem das regras não só porque têm alto grau de generalidade, mas também por serem mandatos de otimização...".

     "...As regras são normas que incidem sob a forma "tudo ou nada", o que não sucede com os princípios. Quando, aparentemente, duas regras incidem sobre o mesmo fato, é aplicada uma ou outra. Segundo critérios hierárquico, cronológico ou de especialidade, aplica-se uma regra e considera-se a outra inválida..."

     "...Quando dois princípios incidem sobre determinado fato, o conflito é solucionado levando-se em consideração o peso relativo de cada um. Há ponderação entre os princípios de igual importância hierárquica, o fiel da balança, a medida de ponderação, o objetivo a ser alcançado já está determinado, a priori, em favor do princípio, hoje absoluto, da dignidade da pessoa humana".


3.3 Princípios constitucionais e princípios gerais do direito

     "Os princípios constitucionais vêm em primeiro lugar e são as portas de entrada para qualquer leitura interpretativa do direito..."

     "Não se podem confundir princípios constitucionais e princípios gerais de direito. Confundi-los seria relegar os princípios constitucionais para uma posição subalterna à lei juntamente com as demais fontes do direito... Os princípios gerais do direito são preceitos extraídos implicitamente da legislação pelo método indutivo e cabem ser invocados quando se verificam lacunas na lei...".


3.4 Monogamia

     "...Não se trata de um princípio do direito estatal de família, mas sim de uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, constituídas sob a chancela do Estado...".

     "O Estado tem interesse na mantença da estrutura familiar, a ponto de proclamar que a família é a base da sociedade. Por isso, a monogamia é considerada função ordenadora da família...".

     "Em atenção ao preceito monogâmico, o Estado considera crime a bigamia (CP 235). Pessoas casadas são impedidas de casar (CC 1.521 VI) e a bigamia torna nulo o casamento (CC 1.548 II e 1.521 VI). É anulável a doação feita pelo adúltero a seu cúmplice (CC 550). A infidelidade servia de fundamento para a ação de separação, pois importava em grave violação dos deveres do casamento, tornando insuportável a vida em comum (CC 1.572), de modo a comprovar a impossibilidade de comunhão de vida (CC 1.573 I). Também se esforçou o legislador em não emprestar efeitos jurídicos às relações não eventuais entre o homem e a mulher impedios de casar, chamando-as de concubinato (CC1.727).


3.5 Princípios constitucionais da família

     "Existem princípios gerais que se aplicam a todos os ramos do direito, assim o princípio da dignidade, da igualdade, da liberdade, bem como os princípios da proibição do retrocesso social e da proteção integral a crianças e adolescentes. Seja em que situações se apresentem, sempre são prevalentes, não só no âmbito do direito das famílias. No entanto, há princípios especiais que são próprios das relações familiares e devem servir de norte na hora de se apreciar qualquer relação que envolva questões de família, despontando entre eles os princípios da solidariedade e da afetividade".


3.5.1 Da dignidade da pessoa humana

     "É o princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito,  afirmado já no primeiro artigo da Constituição Federal..."

     "O princípio da dignidade humana é o mais universal de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade,  uma coleção de princípios éticos..."

     "... O princípio da dignidade humana não representa apenas um limite à atuação do Estado, mas constitui também um norte para a sua ação positiva...".


3.5.2 Da liberdade

     "A liberdade e a igualdade foram os primeiros princípios reconhecidos como direitos humanos fundamentais, de modo a garantir o respeito à dignidade da pessoa humana... só existe liberdade se houver, em igual proporção e concomitância, igualdade..."

     "... A isonomia de tratamento jurídico permite que se considerem iguais marido e mulher em relação ao papel que desempenham na chefia da sociedade conjugal".


3.5.3 Da igualdade e respeito à diferença

     "...É imprescindível que a lei em si considere todos igualmente, ressalvadas as desigualdades que devem ser sopesadas para prevalecer a igualdade material"

     "...O sistema jurídico assegura tratamento isonômio e proteção igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. A ideia central é garantir a igualdade, o que interessa particularmente ao direito, pois está ligada à ideia de justiça..."

     "Atendendo à ordem constitucional, o Código Civil consagra o princípio da igualdade no âmbito do direito das famílias, que não deve ser pautada pela pura e simples igualdade entre iguais, mas pela solidariedade entre seus membros..."

     "O princípio da igualdade não vincula somente o legislador. O intérprete também tem de observar suas regras. Assim como a lei não pode conter normas que arbitrariamente estabeleçam privilégios, o juiz não deve aplicar a lei de modo a gerar desigualdades..."


3.5.4 Da solidariedade familiar

     "... Esse princípio tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade..."

     "A lei civil igualmente consagra o princípio da solidariedade ao prever que o casamento estabelece plena comunhão de vidas (CC 1.511)... A imposição de obrigação alimentar entre parentes representa a concretização do princípio da solidariedade familiar..."


3.5.5 Do pluralismo das entidades familiares

     "... A partir do momento em que as uniões matrimonializadas deixaram de ser reconhecidas como a única base da sociedade, aumentou o espectro da família. O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidade de arranjos familiares".


3.5.6 Da proteção integral a crianças, adolescentes, jovens e idosos

     "A consagração dos direitos da crianças, adolescentes e jovens como direitos fundamentais (CF 227), incorporando a doutrina da proteção integral e vedando referências discriminatórias entre filhos (CF 227 § 6º), alterou profundamente os vínculos de filiação. Como afirma Paulo Lôbo, o princípio não é uma recomendação ética, mas diretriz determinante nas relações da criança e do adolescente com seus pais, com sua família, com a sociedade e com o Estado..."

     "A forma de implementação de todo esse leque de direitos e garantias, que devem ser assegurados pela família, pela sociedade e pelo Estado, está no Estatuto da Criança e do Adolescente (L 8.069/1990)..."

     "Em face da garantia à convivência familiar, há toda uma tendência de buscar o fortalecimento dos vínculos familiares e a manutenção de criança e adolescentes no seio da família natural. Porém, às vezes, melhor atende aos seus interesses a destituição do poder familiar e sua entrega à adoção..."

     "A Constituição veda discriminação em razão da idade, bem como assegura especial proteção ao idoso..."


3.5.7 Da proibição de retrocesso social

     "A Constituição Federal, ao garantir especial proteção à família, estabeleceu as diretrizes do direito das famílias em grandes eixos, a saber: (a) a igualdade entre homens e mulheres na convivência familiar; (b) o pluralismo das entidades familiares merecedoras de proteção; e (c) o tratamento igualitário entre todos os filhos. Estas normas (...) servem de obstáculo a que se operem retrocessos sociais, o que configuraria verdadeiro desrespeito às regras constitucionais".

     "... não pode sofrer limitações ou restrições da legislação ordinária. É o que se chama de princípio constitucional da proibição do retrocesso social..."

     "A partir do momento em que o Estado, ..., garante direitos sociais, a realização desses direitos não se constitui somente uma obrigação positiva para a sua satisfação - passa a haver também uma obrigação negativa de não se abster de atuar de modo a assegurar a sua realização..."


3.5.8 Da afetividade

     "O Estado impõe a si obrigações para com os seus cidadãos. Por isso elenca a Constituição um rol imenso de direitos individuais e sociais, como forma de garantir a dignidade de todos. Tal nada mais é do que o compromisso de assegurar afeto: o primeiro obrigado a assegurar o afeto por seus cidadão é o próprio Estado..."

     "O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais...É o salto à frente da pessoa humana nas relações familiares, como diz Paulo Lôbo, que identifica na Constituição quatro fundamentos essenciais do princípio da afetividade: (a) a igualdade de todos os filhos independentemente da origem (CF 227 § 6º); (b) a adoção, com escolha afetiva com igualdade de direitos (CF 227 §§5º e 6º); (c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade da família (CF 226 § 4º); e (d) o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança do adolescente e do jovem (CF 227)".

     "Código Civil utiliza a palavra "afeto" somente para identificar o genitor a quem deve ser deferida a guarda unilateral (CC 1.583 § 2. º I)..."

     "O novo olhar sobre a sexualidade valorizou os vínculos conjugais, sustentando-se no amor e no afeto. Na esteira dessa evolução, o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto. Inclusive a Lei Maria da Penha define família como uma relação íntima de afeto".


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1 - DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Capítulo 3, págs. 60-74. 9. ed., atual e ampl de acordo com: Lei 12.344/2010 (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito de visita dos avós). - São Paulo: Editora dos Tribunais, 2013.


Bons estudos!

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