domingo, 3 de novembro de 2013

Direito Civil II - Lição 22 - Transmissão das obrigações


Transmissão das obrigações

     É possível a alteração dos sujeitos ativo e passivo nas relações obrigacionais, já que trata-se de um vínculo de conteúdo patrimonial. A substituição do pólo ativo se dá por meio da cessão de crédito e a alteração no pólo passivo ocorre em virtude da assunção de dívida. Nas duas situações não ocorre extinção da obrigação.

1. Cessão de crédito

     Cessão é a "transferência que o credor faz de seus direitos a outrem (C. Beviláqua)" (Dic. Michaelis). "O direito moderno admite, sem qualquer dificuldade, a livre transferência das obrigações, quer quanto ao lado ativo, quer quanto ao lado passivo..." (GONÇALVES, 2012, pág. 216). Essa transferência pode ocorrer por ato inter vivos ou mortis causa (herança), no direito obrigacional é inter vivos, pode ser gratuita ou onerosa.

     O crédito tem valor econômico, e por isso pode ser transferido. É interessante a circulação do crédito para movimentação da economia. Ao transferir o crédito o credor é denominado de cedente e o terceiro que recebe é denominado de cessionário.

     Então, o cedente transmite a obrigação e todos os acessórios para o cessionário que passará a ser credor. Essa situação não extingue a obrigação, ocorre apenas uma alteração na parte ativa da relação jurídica.


CC, Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.
CC, Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios.


Espécies

     A cessão pode ser convencional, legal ou judicial. Na convencional "não exige forma especial para valer entre as partes, salvo se tiver por objeto direitos em que a escritura pública seja da substancia do ato" (GONÇALVES, 2012, pág. 223), nessa transmissão deve ser feito por instrumento público ou particular (Art. 288) e o cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel.

     A cessão legal é imposta pela lei e a judicial ocorre quando no caso concreto o juiz determina. Por exemplo, Maria é credora de Felipe do valor de $100. Maria ajuíza ação de cobrança contra Felipe. Só que Maria também deve $100 à Ricardo. Quando sair a sentença determinando que Felipe pague à Maria, Ricardo entra no processo e pede a cessão do crédito, juiz determina.



CC, Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do §1º do art. 654.
CC, Art. 289. O cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel.


Notificação do devedor

     O devedor precisa ser notificado da cessão de crédito a fim de saber a quem deverá pagar, essa notificação pode ser extrajudicial. "A notificação do devedor é medida destinada a preservá-lo do cumprimento indevido da obrigação, evitando-se os prejuízos que causaria, pois ele poderia pagar ao credor-cedente. O pagamento seria ineficaz" (GONÇALVES, 2012, pág. 224). Portanto, se o devedor não tinha conhecimento da cessão e paga ao credor primitivo, ficará desobrigado.

     "Se o devedor, notificado da cessão, não opõe, nesse momento, as exceções pessoais que tiver contra o cedente, não poderá mais arguir contra o cessionário as exceções que eram cabíveis contra o primeiro" (GONÇALVES, 2012, pág. 225).

     Com a mudança do credor não há alteração na situação do devedor, portanto prescinde da autorização do devedor para ocorrer a cessão de crédito.


CC, Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
CC, Art. 291. Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar com a tradição do título do crédito cedido.
CC, Art. 292. Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação.
CC, Art. 293. Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os atos conservatórios do direito cedido.
CC, Art. 294. O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente.


Não podem ser cedidos

     Em regra todos os créditos podem ser objetos de cessão. Porém, a lei proíbe a cessão de alguns créditos como o penhorado (Art. 298), o do órfão pelo tutor (Art. 1.749, III), os créditos tributários, os convencionados pelas partes, os alimentícios e ainda os que constam no art. 497.

Responsabilidade do credor

     Quanto à responsabilidade do credor, a cessão pode ser pro soluto ou pro solvendo. Na primeira, o credor se responsabiliza apenas pela existência do crédito, assim se Arnaldo transferir o crédito para Carlos, que vai cobrar de Beltrano e Beltrano for insolvente, Carlos ficará no prejuízo. Na pro solvendo, o credor se responsabiliza tanto pela existência do crédito como pela solvência do devedor, assim, na insolvência de Beltrano, Carlos poderá cobrar de Arnaldo.

     Na omissão se será pro solvendo ou pro soluto será discutido em juízo.


CC, Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.
CC, Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.
CC, Art. 297. O cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não responde por mais do que daquele recebeu, com os respectivos juros; mas tem de ressarcir-lhe as despesas da cessão e as que o cessionário houver feito com a cobrança.
CC, Art. 298. O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor que tiver conhecimento da penhora; mas o devedor que o pagar, não tendo notificação dela, fica exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de terceiro.
CC, Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública: I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração; II - pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta; III - pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade; IV - pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.
§ú. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.


2. Assunção de dívida

    "Trata-se de negócio jurídico pelo qual o devedor transfere a outrem sua posição na relação jurídica" (GONÇALVES, 2012, pág. 229). Nela não há extinção da obrigação, apenas mudança na pessoa do devedor. Esse outrem pode ser uma pessoa física ou jurídica. Basicamente é a transferência passiva da obrigação. A cessão de crédito é a transferência ativa.

     Não se confunde com a fiança, pois nela o fiador responde financeiramente com seus bens e é uma obrigação subsidiária e na assunção o devedor assume a dívida como se fosse própria.
    
     Na assunção ocorre a extinção das garantias especiais dadas ao credor, como a fiança e a hipoteca, elas só subsistirão se houver assentimento expresso do devedor primitivo. "No entanto, as garantias reais prestadas pelo próprio devedor originário não são atingidas pela assunção e continuam válidas, a não ser que o credor abra mão delas expressamente" (Gonçalves cit. Mário Régis, 2012, pág. 238).

Notificação do credor

    A assunção é menos usual e só ocorre se o credor expressamente concordar. Assim, quaisquer das partes pode dar um prazo para o credor se manifestar sobre a assunção, o silêncio trata-se como não concordância, recusa da assunção da dívida pelo terceiro.

     No caso de adquirir imóvel hipotecado, se o credor notificado silenciar, entenderá que foi aceito a assunção.

Espécies

     A assunção liberatória é a regra, ocorre integral sucessão do débito e o devedor primitivo fica liberado da dívida, salvo se o terceiro era insolvente e o credor o ignorava. A assunção cumulativa ocorre quando tiver assunção parcial do débito.

Substituição do devedor

     Caso a substituição do devedor seja anulada, o débito será restaurado com todas as garantias para o devedor originário, com exceção da garantia prestada por terceiro se ele não conhecia o vício.


CC, Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.
§ú. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa.
CC, Art. 300. Salvo assentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se extintas, a partir da assunção da dívida, as garantias especiais por ele originariamente dadas ao credor.
CC, Art. 301. Se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o débito, com todas as suas garantias, salvo as garantias prestadas por terceiros, exceto se este conhecia o vício que inquinava a obrigação.
CC, Art. 302. O novo devedor não pode opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo.
CC, Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias a transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento.



Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA C/C CANCELAMENTO DE CADASTRO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. CESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA CESSÃO E DA NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR. INEFICÁCIA. A eficácia da cessão de crédito em relação ao devedor pressupõe sua celebração mediante instrumento público, ou particular que atenda às formalidades da lei, bem como que seja àquele notificada, nos termos dos artigos 288 e 290 do Código Civil. Lições doutrinárias e precedentes jurisprudenciais. Hipótese em que inexiste prova da cessão invocada em relação à parte autora, tampouco da prévia notificação do devedor. Ineficaz a cessão perante o devedor, não há falar em subsistência do débito sub judice em relação à cessionária, impondo-se a declaração de inexistência da dívida e cancelamento do registro negativo do nome da autora nos órgãos de proteção ao crédito. Sentença reformada. Sucumbência invertida. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70056735285, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 31/10/2013).
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA. ACORDO JUDICIAL HOMOLOGADO. DEVEDOR PRIMITIVO EXONERADO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Existência de acordo judicial formalizado entre as partes em ação pretérita, na qual terceiro adquirente assumiu as dívidas decorrentes do automóvel, como também se responsabilizou pela transferência do bem para seu nome. 2. Óbito do assuntor da dívida não obriga devedor primitivo a quitar os débitos objeto do acordo. Inteligência do artigo 299 CC. 3. Consentimento expresso do credor que deve buscar a satisfação do seu direito junto ao espólio ou sucessão do assuntor da dívida. RECURSO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70052897691, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em 30/10/2013)

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  • Referência
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012 
- Aula 01/11/2013, Direito Civil II (Obrigações), Profº Marcelo Torres, com anotações de Régia Carvalho.
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