Transmissão das obrigações
É possível a alteração dos sujeitos ativo e passivo nas relações obrigacionais, já que trata-se de um vínculo de conteúdo patrimonial. A substituição do pólo ativo se dá por meio da cessão de crédito e a alteração no pólo passivo ocorre em virtude da assunção de dívida. Nas duas situações não ocorre extinção da obrigação.
1. Cessão de crédito
Cessão é a "transferência que o credor faz de seus direitos a outrem (C. Beviláqua)" (Dic. Michaelis). "O
direito moderno admite, sem qualquer dificuldade, a livre transferência
das obrigações, quer quanto ao lado ativo, quer quanto ao lado
passivo..." (GONÇALVES, 2012, pág. 216). Essa transferência pode ocorrer
por ato inter vivos ou mortis causa (herança), no direito obrigacional é inter vivos, pode ser gratuita ou onerosa.
O crédito tem valor econômico, e por isso pode ser transferido. É
interessante a circulação do crédito para movimentação da economia. Ao
transferir o crédito o credor é denominado de cedente e o terceiro que
recebe é denominado de cessionário.
Então, o cedente transmite a obrigação e todos os acessórios para o
cessionário que passará a ser credor. Essa situação não extingue a
obrigação, ocorre apenas uma alteração na parte ativa da relação
jurídica.
CC, Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.
CC, Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios.
Espécies
A cessão pode ser convencional, legal ou judicial. Na convencional "não
exige forma especial para valer entre as partes, salvo se tiver por
objeto direitos em que a escritura pública seja da substancia do ato"
(GONÇALVES, 2012, pág. 223), nessa transmissão deve ser feito por
instrumento público ou particular (Art. 288) e o cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel.
A cessão legal é imposta pela lei e a judicial ocorre quando no caso
concreto o juiz determina. Por exemplo, Maria é credora de Felipe do
valor de $100. Maria ajuíza ação de cobrança contra Felipe. Só que Maria
também deve $100 à Ricardo. Quando sair a sentença determinando que
Felipe pague à Maria, Ricardo entra no processo e pede a cessão do
crédito, juiz determina.
CC, Art. 288. É ineficaz, em relação a terceiros, a transmissão de um crédito, se não celebrar-se mediante instrumento público, ou instrumento particular revestido das solenidades do §1º do art. 654.
CC, Art. 289. O cessionário de crédito hipotecário tem o direito de fazer averbar a cessão no registro do imóvel.
Notificação do devedor
O devedor precisa ser notificado da cessão de crédito a fim de saber a
quem deverá pagar, essa notificação pode ser extrajudicial. "A
notificação do devedor é medida destinada a preservá-lo do cumprimento
indevido da obrigação, evitando-se os prejuízos que causaria, pois ele
poderia pagar ao credor-cedente. O pagamento seria ineficaz" (GONÇALVES,
2012, pág. 224). Portanto, se o devedor não tinha conhecimento da
cessão e paga ao credor primitivo, ficará desobrigado.
"Se o devedor, notificado da cessão, não opõe, nesse momento, as
exceções pessoais que tiver contra o cedente, não poderá mais arguir
contra o cessionário as exceções que eram cabíveis contra o primeiro"
(GONÇALVES, 2012, pág. 225).
Com a mudança do credor não há alteração na situação do devedor,
portanto prescinde da autorização do devedor para ocorrer a cessão de
crédito.
CC, Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.
CC, Art. 291. Ocorrendo várias cessões do mesmo crédito, prevalece a que se completar com a tradição do título do crédito cedido.
CC, Art. 292.
Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão,
paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão
notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de
cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura
pública, prevalecerá a prioridade da notificação.
CC, Art. 293. Independentemente do conhecimento da cessão pelo devedor, pode o cessionário exercer os atos conservatórios do direito cedido.
CC, Art. 294.
O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem
como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha
contra o cedente.
Não podem ser cedidos
Em regra todos os créditos podem ser objetos de cessão. Porém, a lei
proíbe a cessão de alguns créditos como o penhorado (Art. 298), o do
órfão pelo tutor (Art. 1.749, III), os créditos tributários, os
convencionados pelas partes, os alimentícios e ainda os que constam no
art. 497.
Responsabilidade do credor
Quanto à responsabilidade do credor, a cessão pode ser pro soluto ou pro solvendo.
Na primeira, o credor se responsabiliza apenas pela existência do
crédito, assim se Arnaldo transferir o crédito para Carlos, que vai
cobrar de Beltrano e Beltrano for insolvente, Carlos ficará no prejuízo.
Na pro solvendo, o credor se responsabiliza tanto pela
existência do crédito como pela solvência do devedor, assim, na
insolvência de Beltrano, Carlos poderá cobrar de Arnaldo.
Na omissão se será pro solvendo ou pro soluto será discutido em juízo.
CC, Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.
CC, Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.
CC, Art. 297.
O cedente, responsável ao cessionário pela solvência do devedor, não
responde por mais do que daquele recebeu, com os respectivos juros; mas
tem de ressarcir-lhe as despesas da cessão e as que o cessionário houver
feito com a cobrança.
CC, Art. 298.
O crédito, uma vez penhorado, não pode mais ser transferido pelo credor
que tiver conhecimento da penhora; mas o devedor que o pagar, não tendo
notificação dela, fica exonerado, subsistindo somente contra o credor os direitos de terceiro.
CC, Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública: I - pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração; II
- pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa
jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou
indireta; III - pelos juízes, secretários de
tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da
justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou
conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua
autoridade; IV - pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.
§ú. As proibições deste artigo estendem-se à cessão de crédito.
2. Assunção de dívida
"Trata-se de negócio jurídico pelo qual o devedor transfere a
outrem sua posição na relação jurídica" (GONÇALVES, 2012, pág. 229).
Nela não há extinção da obrigação, apenas mudança na pessoa do devedor.
Esse outrem pode ser uma pessoa física ou jurídica. Basicamente é a
transferência passiva da obrigação. A cessão de crédito é a
transferência ativa.
Não se
confunde com a fiança, pois nela o fiador responde financeiramente com
seus bens e é uma obrigação subsidiária e na assunção o devedor assume a
dívida como se fosse própria.
Na
assunção ocorre a extinção das garantias especiais dadas ao credor, como
a fiança e a hipoteca, elas só subsistirão se houver assentimento expresso
do devedor primitivo. "No entanto, as garantias reais prestadas pelo
próprio devedor originário não são atingidas pela assunção e continuam
válidas, a não ser que o credor abra mão delas expressamente" (Gonçalves
cit. Mário Régis, 2012, pág. 238).
Notificação do credor
A
assunção é menos usual e só ocorre se o credor expressamente concordar.
Assim, quaisquer das partes pode dar um prazo para o credor se
manifestar sobre a assunção, o silêncio trata-se como não concordância,
recusa da assunção da dívida pelo terceiro.
No caso de adquirir imóvel hipotecado, se o credor notificado silenciar, entenderá que foi aceito a assunção.
Espécies
A assunção liberatória
é a regra, ocorre integral sucessão do débito e o devedor primitivo
fica liberado da dívida, salvo se o terceiro era insolvente e o credor o
ignorava. A assunção cumulativa ocorre quando tiver assunção parcial do débito.
Substituição do devedor
Caso a substituição do devedor seja anulada, o débito será restaurado
com todas as garantias para o devedor originário, com exceção da
garantia prestada por terceiro se ele não conhecia o vício.
CC, Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava.
§ú.
Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na
assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa.
CC, Art. 300.
Salvo assentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se
extintas, a partir da assunção da dívida, as garantias especiais por ele
originariamente dadas ao credor.
CC, Art. 301.
Se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o débito,
com todas as suas garantias, salvo as garantias prestadas por terceiros,
exceto se este conhecia o vício que inquinava a obrigação.
CC, Art. 302. O novo devedor não pode opor ao credor as exceções pessoais que competiam ao devedor primitivo.
CC, Art. 303.
O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do
crédito garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias
a transferência do débito, entender-se-á dado o assentimento.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA
DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA C/C CANCELAMENTO DE CADASTRO NOS ÓRGÃOS DE
PROTEÇÃO AO CRÉDITO. CESSÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA
CESSÃO E DA NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR. INEFICÁCIA. A eficácia da cessão de
crédito em relação ao devedor pressupõe sua celebração mediante
instrumento público, ou particular que atenda às formalidades da lei,
bem como que seja àquele notificada, nos termos dos artigos 288 e 290 do
Código Civil. Lições doutrinárias e precedentes jurisprudenciais.
Hipótese em que inexiste prova da cessão invocada em relação à parte
autora, tampouco da prévia notificação do devedor. Ineficaz a cessão
perante o devedor, não há falar em subsistência do débito sub judice em
relação à cessionária, impondo-se a declaração de inexistência da dívida
e cancelamento do registro negativo do nome da autora nos órgãos de
proteção ao crédito. Sentença reformada. Sucumbência invertida. APELAÇÃO
PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70056735285, Décima Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em
31/10/2013).
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO
DE FAZER COM REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ASSUNÇÃO DE
DÍVIDA. ACORDO JUDICIAL HOMOLOGADO. DEVEDOR PRIMITIVO EXONERADO.
SENTENÇA MANTIDA. 1. Existência de acordo judicial formalizado entre as
partes em ação pretérita, na qual terceiro adquirente assumiu as dívidas
decorrentes do automóvel, como também se responsabilizou pela
transferência do bem para seu nome. 2. Óbito do assuntor da dívida não
obriga devedor primitivo a quitar os débitos objeto do acordo.
Inteligência do artigo 299 CC. 3. Consentimento expresso do credor que
deve buscar a satisfação do seu direito junto ao espólio ou sucessão do
assuntor da dívida. RECURSO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70052897691,
Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz
Grassi Beck, Julgado em 30/10/2013)
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- Referência
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012
- Aula 01/11/2013, Direito Civil II (Obrigações), Profº Marcelo Torres, com anotações de Régia Carvalho.
- Saiba mais
- A transmissão das obrigações: Cessão de Crédito, Assunção de dívida e cessão da posição contratual
Bons estudos!
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