sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Direito Civil I - Lição 01 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro



  Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB)
Decreto – Lei Nº 4.657/42 alterado pela Lei nº 12.376, de 30/12/2010.

1.Introdução

      A antiga Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), entrou em vigor em 24 de outubro de 1942 e é válida até hoje, tem um grande importância no ordenamento brasileiro pois foi com ela que se encerrou a vigência das antigas ordenações portuguesas1. A LICC (Decreto-Lei 4.657) é tida como a lei de introdução das leis, aplicada aos diversos ramos do Direito. Conforme preleciona Flavio Tartuce: Trata-se de uma norma de sobredireito, ou seja, de uma norma jurídica que visa a regulamentar outras normas (leis sobre leis ou lex legum)2. 

      Com o advento da Lei 12.376, de 30 de dezembro de 2010, ocorreram duas alterações na ementa do Decreto-Lei 4.657/42, a primeira mudança trazida foi a “ampliação no seu campo de atuação”, e a segunda foi a alteração no nome da lei para “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro3. 

      Segundo consta no Projeto de Lei 6.303/2005, o qual originou a Lei 12.376/10, a finalidade dessa alteração foi para adequar a redação da lei ao verdadeiro significado da norma. 

      No artigo 1º da Lei 12.376/10, quanto à expressão “ampliando seu campo de atuação” é sabido que a LICC já era aplicada de forma abrangente no ordenamento jurídico. Podemos verificar que ela não tinha seu campo de atuação restrito ao Direito Civil, e entre os juristas já era aplicada aos diversos campos das normas jurídicas. Já no artigo 2º, a alteração na nomenclatura da lei foi para conferir o real sentido para o qual a lei é aplicada, a saber, às normas do Direito Brasileiro. A nova nomenclatura reproduz com exatidão o sentido e o alcance desse diploma legal4

2. Vigência das leis no tempo (Arts. 1º e 2º)

      A vigência de uma lei está relacionada ao tempo durante o qual uma lei vigora5, tem a ver com eficácia e com efeito. De acordo com o art. 1º da LINDB: “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada”. Seguindo essa regra, nesse período de quarenta e cinco dias, entre a publicação e o início da vigência, ocorre o fenômeno chamado de vacatio legis, consequentemente a lei não surte efeitos imediatamente, apenas depois que entrar em vigor. 

      Segundo Stolze6, na vacatio legis, a lei aguarda a data de início de sua vigência, em três hipóteses: a) ter sido fixada uma data posterior para momento de início de seus efeitos; b) deve entrar em vigor quarenta e cinco dias após publicada; ou c) estar pendente de regulamento, explícita ou implicitamente (normas de eficácia limitada). 

      Não se deve confundir quarenta e cinco dias com um mês e meio, e a contagem do prazo é dia-a-dia, incluindo o dia da publicação e o último dia do prazo. "A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral" (§1º, art. 8º da LC 95/1998).

      Assim, pela regra geral, a lei entra em vigor no 46º dia, independente de ser feriado ou não. Mas é possível estipular prazos maiores para início da vigência, bem como entrar em vigor na data da publicação (para leis de pequena repercussão). A função da vacância é para a sociedade se acostumar com a nova lei e dar amplo conhecimento. 

      Podemos exemplificar com o próprio Código Civil de 2002, que teve um vacatio legis de 1 (um) ano, pois foi publicado dia 10 de janeiro de 2002, e de acordo com o seu art. 2.044, entrou em vigor 1 (um) ano após a publicação, ou seja, dia 11 de janeiro de 2003. Outro exemplo é o da LC 109/2001, a qual não teve vacância, visto que em seu art. 78 anunciava que entrou em vigor na data da publicação. 

      No §1º, art. 1º da LINDB trata das leis publicadas no Brasil com efeitos no exterior, o vacatio legis nos Estados estrangeiros será de 3 meses (contagem de um mês é a cada 30 dias). 

     Supondo possível erro na elaboração de determinada lei, deve-se alterá-la corrigindo-a e, consequentemente, deve ser republicada, então zera-se o prazo e recomeça a contar a partir da nova publicação, sendo considerada nova lei, e isso só é possível porque a lei ainda não tem eficácia.

     É o que dispõe o §3º, art. 1º, LINDB, "se, antes de a lei entrar em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinado a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a ocorrer da nova publicação", juntamente com o §4º, art. 1º da mesma lei, "As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova". Se a lei já está surtindo efeitos, ela não pode ser republicada ou alterada, a não ser a partir de outra lei. 

      Embora a regra seja de que uma lei só possa ser aplicada se estiver em vigência, existe uma exceção quando ocorre o evento da ultratividade da norma, nele, uma norma não mais vigente continua a vincular os fatos anteriores a sua saída do sistema7. Como exemplo temos o art. 2.041, CC/02 - “As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior”.

     Caso não existisse a ultratividade da norma haveria uma insegurança jurídica, no que diz respeito as situações jurídicas que se formaram durante a vigência da lei regovada. 

2.1. Revogação da lei (Art. 2º, §1º)

      No art. 2º da LINDB consagra o princípio da continuidade, segundo o qual a lei continuará em vigor até que outra a revogue ou modifique, exceto para leis temporárias. Nas situações de a lei ter vigência temporária, não se aplicará a revogação, pois a lei perderá sua eficácia de acordo com o prazo fixado no próprio texto Legal.

     Outra forma que a lei pode perder a eficácia é se for declarada inconstitucional pelo STF (CF, art. 52, X - Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal8). 

      Nos §1, art. 2º, LINDB, aborda os aspectos da revogação das leis, vemos que lei posterior revoga lei anterior em três situações: 

- quando declarar expressamente,
- quando for incompatível com a lei anterior,
- ou ainda quando regulamentar a matéria, a qual tratava a lei anterior, por completo. 

      Como exemplo temos o art. 2.045, CC/02: "Revogam-se a Lei nº 3.071 de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850”.

     A única forma de retirar uma lei do sistema é revogando-a. Nesse exemplo a lei 3.071 do CC/16 foi ab-rogado e a primeira parte do Código Comercial lei 556/1850 foi derrogada. Veremos a seguir que revogação é gênero do qual a ab-rogação e a derrogação são espécies, mas, de maneira geral percebemos que o legislador usa o termo revogação.

a)Tipos de revogação:


  • Expressa ou por via direta
      Ocorre quando a lei nova expressamente declara a revogação da norma anterior (LINDB, art. 2º, primeira parte). Esta sempre é preferível, pois segundo a LC 95/1998, no seu art. 9º - A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.

     Então, toda lei que revogar deve expressar o que está revogando, mas isso não significa que uma revogação tácita deva ser desconsiderada. 

  • Tácita ou por via oblíqua:
      Ocorre quando a lei posterior é incompatível com a anterior ou quando a lei posterior regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior (LINDB, art. 2º, segunda parte), nestes casos a revogação não é mencionada, ou seja, fica subentendida. Segundo Carlos Roberto Gonçalves, na impossibilidade de coexistirem normas contraditórias, aplica-se o critério da prevalência da mais recente (critério cronológico: lex posterior derogat legi priori)9. 

b)Efeitos da Revogação:

  • Ab-Rogação ou revogação total
      É a retirada total de uma lei do ordenamento jurídico. Ocorre normalmente com a Lei do salário mínimo, quando da publicação da nova lei, a anterior é tornada sem efeito de forma integral.

  • Derrogação
      Retirada parcial de uma lei, nesse caso retira-se apenas algum artigo, inciso ou parágrafo. Como exemplo, no CC/02 o inciso III do artigo 10 foi revogado (entenda-se derrogado) pela Lei 12.010 de 2009.

2.2.Conflitos/ Antinomias (Art. 2º, §§ 1º e 2º) 

      Antinomias são situações nas quais o operador do direito fica em dúvida de qual norma aplicar no caso concreto. Existem três critérios para resolver esse conflito: o hierárquico, o temporal ou cronológico e o da especialidade. 

      Pelo critério hierárquico, uma Lei superior revoga Lei inferior, e para que isto ocorra as leis devem ter pelo menos a mesma hierarquia, ou seja, para alterar a Constituição Federal tem que ser uma Emenda Constitucional.

      Pelo critério temporal ou cronológico, uma Lei posterior revoga Lei anterior, as condições para essa revogação são conforme o §1º, art. 2º, LINDB, "A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior". Mas observe que quando a lei nova é compatível com a anterior, regula a matéria inteira de forma harmônica com a lei anterior e ainda estabelece disposições gerais ou especiais em comparação com as já existentes, isso não causará a revogação nem a modificação da lei anterior (§2º, art. 2º, LINDB), portanto, é possível a coexistência de Lei posterior e Lei anterior tratando da mesma matéria e em vigor no ordenamento jurídico. 

      Giuseppe Saredo, citado por Roberto Gonçalves, pondera que "disposição especial revoga a geral quando se referir ao mesmo assunto, alterando-a. Não a revoga, contudo, quando, em vez de alterá-la, se destina a lhe dar força10". 

      E por último, o critério da especialidade, no qual uma Lei especial revoga Lei geral. Como exemplo temos o Código Civil de 1916 e Código Civil de 2002, as duas são infraconstitucionais, atendendo ao critério hierárquico, e pelo critério temporal o código novo revoga o código velho.

     Entre o Código de Defesa do Consumidor de 1990 e Código Civil de 2002, atende ao critério hierárquico, bem como o temporal, mas o Código de Defesa do Consumidor de 1990 por ser uma Lei especial, prevalece sobre o Código Civil de 2002, que é uma Lei geral. 

2.3. Repristinação (Art. 2º, §3º) 

      A repristinação ocorre quando uma lei restaura seus efeitos, mesmo já tendo sido revogada. No §3º, art. 2º, LINDB, dispõe sobre a repristinação nos seguintes termos, "Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência", ou seja, regra geral não é possível a repristinação, exceto se houver disposição em contrário. 

      Podemos exemplificar com o seguinte, uma lei 'A' foi revogada por outra lei 'B', e a lei 'B' foi revogada pela lei 'C'. A lei 'A', que foi revogada, não retorna seu vigor pelo fato de que a lei que a revogou, 'B', ter sido revogada. Não ocorre repristinação automática, apenas se for expressa. 



      Segundo Maria Helena Diniz, esse artigo contém duas normas: a) proibição de repristinação, significando que a antiga lei não se revalidará pelo aniquilamento da lei revogadora, uma vez que não restitui a vigência da que ela revogou; b) restauração ex nunc da antiga lei, quando a norma revogadora tiver perdido a vigência, desde que haja disposição expressa nesse sentido11. 

      Outra situação é o caso de uma lei 'B' revogar a lei 'A', e 'B' sofrer ADI (controle de constitucionalidade). 'B' sendo inconstitucional sairá do sistema, perderá seus efeitos, inclusive o que revogou a lei 'A'. Isso vai provocar o efeito repristinatório da lei 'A'. Neste caso não se deve confundir com a repristinação da LINDB, pois no efeito repristinatório, por invalidade da norma inconstitucional, sequer há revogação no plano jurídico12. 



3. Aplicação da lei no tempo (Arts. 3º ao 6º)  

3.1. Princípio da obrigatoriedade das normas (Art. 3º) 

      Segundo o artigo 3º da LINDB: Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Esse princípio parte da idéia de que a lei é um comando geral, abstrato e genérico, dirigido à coletividade, ou seja, é obrigatória para todos13. As condutas humanas são encaixadas na lei, por isso é obrigatório o cumprimento a partir da publicação oficial da norma legal, respeitado o período da vacatio legis, se houver. 

      Entende-se que a publicação é para tornar a lei conhecida, de início esse artigo afasta a possibilidade de se argumentar por erro de direito (desconhecimento da lei) e erro de fato (desconhecimento da situação que é regulada pela lei). Como exemplo temos o art. 1.501 do CC/02 - “não podem casar: (...) VI - pessoas casadas”. Neste caso configuraria erro de direito se o agente não souber da proibição, e ocorreria erro de fato se não souber que o cônjuge já era casado. 

      O erro putativo é quando alguém supõe que algo é Legal, ou verdadeiro, mas na realidade não o é. A putatividade pode decorrer de erro de fato ou de erro de direito. Erro de fato seria o desconhecimento de algum vício que impedisse um casamento, como o fato de relação de parentesco entre os cônjuges ou um cônjuge ser criminoso (art. 1.557, CC/02); e no erro de direito seria o desconhecimento que tal fato é vedado por lei (art. 1.561, CC/02), assim, mesmo sabendo que são parentes, casariam pensando que não era proibido por lei casamento entre parentes. 

      Conforme Maria Helena Diniz, o sentido do artigo 3º da LINDB é para afirmar a segurança jurídica: a ignorância do direito, ou a ausência de conhecimento da lei ou erro no seu conhecimento, ou seja, a falsa interpretação não impedirá os efeitos da norma, nem livrará da responsabilidade o seu infrator14.  

3.2.Integração das normas (Art. 4º)  

      A integração das normas tem como função preencher as lacunas da lei, pois o legislador não consegue prever todas as situações, já que o direito é dinâmico e em constante movimento15. 

     Integrar também significa complementar, e devido a dinamicidade do Direito e provavelmente o não acompanhamento com a evolução social, o legislador previu formas de complementar a norma jurídica, nos casos das lacunas normativas, pela adição dos elementos da analogia, costumes e princípios gerais do direito, conforme o art. 4º, LINDB: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, e também de acordo com o art. 140 do novo CPC: O juiz não se exime de decidir sob alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico. No julgamento da lide caber-­lhe-­á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, aí está expressa a regra do non liquet, essa expressão vem do latim e significa “não está claro”, no Direito Romano era permitido ao juiz se recusar a julgar devido a lei não está clara, atualmente isso é vedado, e para auxiliar o jurista na solução do conflito é que existe a integração normativa. 

a) Analogia

      Na analogia julga-se pelas semelhanças que existem entre os fatos16, mas no Direito existem critérios a serem preenchidos para aplicação desse instrumento de integração das normas, primeiro: que o caso em análise não esteja enquadrado em norma jurídica, e segundo: deve haver uma semelhança relevante entre o caso a ser analisado e o outro que é tutelado pela Lei.  

     Lembrando que a analogia é a primeira forma de integração a ser utilizada, se não for possível aplicá-la é que utiliza-se o costume e só depois os princípios gerais do direito.

     Exemplificando: uma situação 'A', cuja solução não haja previsão Legal, mas que essa situação 'A' tenha uma semelhança relevante com outra situação 'B', que é regulada por lei, a norma aplicada à situação 'B' pode ser utilizada, por analogia, para resolver a situação 'A'. 

b) Costume

      Prática repetitiva e uniforme de determinado comportamento, de conteúdo lícito e relevância jurídica17. De uso constante e geral e com convicção de que a norma é necessária, atendidos os critérios de certeza, segurança, justiça e utilidade18. Pode ser Secundum legem quando está referido na lei, Praeter legem quando supre a ausência de norma sobre determinado caso (art. 4º, LINDB) e ainda Contra legem que é oposto à lei, embora não possa revogá-la. 

c) Princípios Gerais de Direito

      São normas universais, acepções que servem de fundamento para todo sistema jurídico, ditadas pela razão. Segundo Maria Helena Diniz, são normas jurídicas de valor genérico que orientam a compreensão do ordenamento jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não positivadas19. 

      No art. 140, §único do novo CPC, há ainda a previsão da integração normativa por meio da equidade, mas o juiz só a utilizará quando a lei o autorizar. Na concepção aristotélica é definida como a justiça do caso concreto, o julgamento com a convicção do que é justo20. 

3.3.Função social da norma (Art. 5º) 

      No artigo 5º da LINDB diz que: Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. É a função social da norma mais a promoção da pacificação social. 

      Como os valores da sociedade variam com o tempo, o fim social da norma deve acompanhar esse desenvolvimento social. Para Maria Helena Diniz, o fim social da norma consiste em produzir na realidade social determinados efeitos que são desejados por serem valiosos, justos, convenientes, adequados à subsistência de uma sociedade, oportunos, etc21. 

3.4.Direito Intertemporal (Art. 6º) 

      No art. 6º, LINDB, prevê que “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. Portanto, uma lei em vigor não pode revogar os efeitos produzidos por lei anterior quando se encontrar as situações do ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada, em virtude da segurança jurídica. 

      As disposições transitórias foram necessárias para regulamentar os efeitos e conseqüências dos fatos praticados anteriormente à lei nova e que se protraíram no tempo22, são compostos por normas que ajudam na transição para uma nova lei e tem a função de tentar afastar ao máximo as possíveis divergências. Como exemplo tivemos na transição do Código Civil /1916 para o Código Civil 2002, a lei nova trouxe dispositivos de direito intertemporal, é o caso do art 2.041 do CC/02 "As disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior". 

      Como regra geral, a lei civil não retroage e tem seus efeitos imediatos, alguns autores chamam de princípio da irretroatividade. Por exemplo, contratos celebrados na vigência do CC/16 tem-se o direito adquirido de ter a relação jurídica reguladas por essa lei, mesmo que o CC/02 seja mais benéfica. Por outro lado, se não atingir o ato consumado na vigência da lei anterior, o direito que já se incorporou definitivamente ao patrimônio do titular e à decisão da qual não caiba mais recurso, aí poderá ocorrer a retroatividade (Ver §§1-3, art. 6º, LINDB). Também pode ocorrer retroatividade quando a lei expressamente determinar. 

      Para deixar mais claro apresentamos um exemplo de contrato de aluguel entre A e B, no qual A é o proprietário e B, o inquilino. O contrato foi celebrado em 05/01/2000, válido por um ano. Assim em 05/01/2001 o contrato acabou e o inquilino não quis renovar. Configura-se ato jurídico perfeito que começou e terminou sob a vigência do CC/16, lei nova que entrar em vigor não pode alterar mais essa situação do contrato de aluguel. Como também não pode ser alterado os direitos que foram adquiridos na vigência do contrato. 

4. Aplicação da lei no espaço (Art. 7º ao 19) 

      Pelo princípio da territorialidade, a norma jurídica, em regra, tem efeitos dentro do território do Estado que a promulgou. Mas a territorialidade mitigada (Direito alienígena) permite que leis externas tenham eficácia no Brasil, desde que respeitem à “soberania Estatal brasileira, a ordem pública e bons costumes(art. 17, LINDB). No caso da extraterritorialidade, a norma é aplicada em território de outro Estado, segundo os princípios e convenções internacionais23. 

4.1.Lei do Domicílio (Art. 7º) 

      Estatuto pessoal é a situação jurídica que rege o estrangeiro pelas leis de seu país de origem, disposto no art. 7º, caput da LINDB, no qual ocorre a aplicação da Lei do Domicílio, "a lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família". É o caso de aplicação de lei externa para atos realizados no Brasil, quando o sujeito for domiciliado em outro país, mas se aqui tiver domicílio, aplica-se a lei brasileira. 

4.2.Casamento (Art. 7º e §§1º ao 5º) 

      Sobre casamento, no §1º do art. 7º, LINDB, afirma que, "realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração". Ainda que os nubentes sejam estrangeiros, a lei brasileira será aplicável. Mas se o estrangeiro for domiciliado fora do país e casar-se no Brasil, ele não estará sujeito a tais sanções se estas não forem previstas na sua lei pessoal24.

     E no §2º do art. 7º, LINDB: O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes, ou seja, se forem estrangeiros e domiciliados no Brasil terão que procurar autoridade brasileira para celebração do casamento, se ambos nubentes estrangeiros forem co-nacionais, será celebrado por autoridade consular do seu país de origem. 

      No caso de invalidade do matrimônio (§3º, art. 7º, LINDB), aplica-se a lei do primeiro domicílio conjugal, se os nubentes tiverem domicílio diverso. 

      Quanto ao regime de bens (§4º, art. 7º, LINDB) também aplica-se a lei do domicílio, mas se os nubentes tiverem domicílio diverso, aplica-se a lei do primeiro domicílio conjugal. O estrangeiro casado, naturalizado brasileiro, pode requerer ao juiz que apostile a adoção do regime de comunhão parcial de bens, conforme o §5º, art. 7º, LINDB, "o estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro".

4.3. Divórcio (Art. 7º, §6º) 

      Prevê no §6º, art. 7º da LINDB que o "divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais. Com a EC 66/2010 – emenda do divórcio -, a separação judicial foi banida do ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, como a norma em comento é de Direito Internacional Privado, ainda tem aplicação, até porque muitos países admitem a separação judicial25. 

4.4. Extensão do domicílio (Art. 7º, §7º) 

      O domicílio do chefe de família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados; e o domicílio do tutor ou curador estende-se aos incapazes sob sua guarda. Salvo o caso de abandono. É o que anuncia o §7º, art. 7º, LINDB. 

4.5. Residência acidental (Art. 7º, §8º) 

      Quanto ao §8º, art. 7º da LINDB diz que "quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre". 

4.6. Lex rei sitae (Art. 8º)

      Para bens imóveis aplica-se a lei do país no qual estiver situado os bens, para qualificá-los e regular as relações a eles concernentes (art. 8º).

     No caso dos bens serem móveis, aplicar-se a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares (§1º, art. 8º , LINDB).

     E por fim, no caso de penhor, regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada (§2º, art. 8º, LINDB). 

4.7. Locus regit actum (Art. 9º) 

      Aplica-se a lei do país em que se constituírem as obrigações. O contrato é o principal meio gerador de obrigações. Na situação que as partes estão em ''pé de igualdade'' elas podem escolher qual direito será aplicado. Art. 9º, LINDB, "para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem".

     Como exceções temos o §1º do art 9º, LINDB, no qual pode-se admitir peculiaridades da lei estrangeira e §2º do mesmo artigo, que pode ser aplicada a lei do local que residir o proponente.

     Vejamos: §1º, art. 9º, LINDB: Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato; e §2º, art. 9º, LINDB: A obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente. 

4.8. Domicílio do de cujus (Art. 10) 

      Sendo bens móveis ou imóveis, situados no Brasil ou estrangeiro, aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o defunto ou desaparecido, conforme art. 10, LINDB: A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. 

      No caso de bens de estrangeiros, situados no País, só se aplica a lei brasileira se a do de cujos não for mais favorável aos herdeiros ou representante. §1º, art. 10, LINDB: A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus. 

      E quanto à capacidade para suceder, aplicar-se a lei do domicílio do herdeiro. §2º, art. 10, LINDB: A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder. 

4.9. Lei do local da constituição (Art. 11) 

      Às pessoas jurídicas, aplicam-se a lei do Estado em se constituírem, previsto no art. 11, LINDB: As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem. E ainda, não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira (§1º, art. 11, LINDB ).

     Quanto à compra de bens, os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituído, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptíveis de desapropriação (§2º, art. 11, LINDB), e por fim, os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares (§3º, art. 11, LINDB). 

4.10. Competência (Art. 12)

      É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação (art. 12, LINDB); é competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil (§1º, art. 12, LINDB), sendo assim, não é possível eleição de foro; e a autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pela lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências (§2º, art. 12, LINDB). 

4.11. Fatos ocorridos no exterior (Arts. 13 a 16)

      A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, e os tribunais brasileiros não admitirão provas que a lei brasileira desconheça.

     Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.

     A sentença proferida no estrangeiro, será executada no Brasil quando atender os requisitos previstos no art. 15 da LINDB:

- haver sido proferida por juiz competente;
- terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;
- ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;
- estar traduzida por intérprete autorizado;
- ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal (Emenda Constitucional 45/2004 incluiu na competência do Superior Tribunal de Justiça a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias).

     Nesses casos, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei (art. 16, LINDB). 

4.12. Eficácia no Brasil (Art. 17)

      As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes (art. 17, LINDB). Para que uma decisão estrangeira tenha eficácia no Brasil precisa passar pela homologação do STJ (EC 45) que emite o exequatur (Uma ordem. Cumpra-se). 

4.13. Competência das Autoridades consulares (Art. 18 e 19) 

      Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado (art. 18, LINDB). Maria Helena Diniz leciona que o brasileiro, domiciliado ou não no Brasil, poderá ter a celebração do ato feita pela autoridade consular26. A redação original do artigo 18 exigia tanto a nacionalidade brasileira quanto ter domicílio no Brasil, alterado pela lei 3.238/57, não há mais a exigência do domicílio, basta apenas ser brasileiro27.

     Os atos do art. 18 da LINDB reputam-se válidos e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais (art. 19, LINDB) e no caso que a celebração desses atos tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com fundamento no artigo 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa) dias contados da data da publicação desta lei (art. 19, §ú, LINDB).

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  • Referência  
- DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol I, parte Geral, 7ªed, São Paulo, Saraiva-2009
- TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2011  
- GAGLIANO, Stolze Pablo, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume I: parte geral - 13ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2011
- Aula 26/02 e 04/03/2013, Direito Civil I, Profª Ana Eleonora, com anotações da aluna Régia Carvalho
- Novo Código de Processo Civil




Citações
1PL 6.303/2005, http://www.camara.gov.br/sileg/integras/651324.pdf
2Flavio Tartuce, Manual de Direito Civil, volume único, 2011.
3Lei nº 12.376, de 30 de dezembro de 2010 . Altera a ementa do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942. Art. 1o Esta Lei altera a ementa do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, ampliando o seu campo de aplicação. Art. 2o A ementa do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, passa a vigorar com a seguinte redação: “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.” Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
4PL 6.303/2005, http://www.camara.gov.br/sileg/integras/651324.pdf
5Dicionário Michaelis: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/vigencia%20_1065676.html
6Stolze, Novo Curso de Direito Civil, 13ed. p. 110
7Stolze, Novo Curso de Direito Civil, 13ed. p. 111
8GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol I, parte Geral, 7ªed, São Paulo, Saraiva-2009, p. 42
9GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol I, parte Geral, 7ªed, São Paulo, Saraiva-2009, p. 44
10GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol I, parte Geral, 7ªed, São Paulo, Saraiva-2009, p. 45
11DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado, 2009, p. 4.
12STJ, RESp No 517.789, 2a T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 08/06/2004
13Conceito dado em aula pela professora Ana Eleonora (UNIRN)
14DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 14ªed, São Paulo, Saraiva-2009, p. 5
15GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol I, parte Geral, 7ªed, São Paulo, Saraiva-2009, p. 48
17Conceito dado em aula pela professora Ana Eleonora (UNIRN)
18Aula do professor Fábio Fideles em Introdução ao Direito II.
19DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 14ªed, São Paulo, Saraiva-2009, p. 6
20TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2011, p. 24
21DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado, 2009, p. 7
22Conceito dado em aula pela professora Ana Eleonora (UNIRN)
23GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol I, parte Geral, 7ªed, São Paulo, Saraiva-2009, p. 63
24GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol I, parte Geral, 7ªed, São Paulo, Saraiva-2009, p. 64
25TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, volume único - 2011, p. 32
26DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, 14ªed, São Paulo, Saraiva-2009 
27http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657.htm#art18, consultado em 16/07/2013 às 23h

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